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Laurentina já não foge ao pai para jogar à bola

Foram seis equipas, de diferentes concelhos, as que participaram no quarto encontro distrital de Walking Football que decorreu no âmbito da Covilhã Desportiva. Para muitos, a oportunidade de fazer, pela primeira vez, algo de que sempre gostaram. Para outros, regressar aos campos, com a dificuldade de ter que jogar sem correr

Está equipada a rigor. De azul. A cor da Academia Sénior do Fundão. Está sol, mas não é preciso chapéu, que alguns usam. E, enquanto a malta de Vila de Rei, que se atrasou, não chega à Covilhã, no relvado do Complexo Desportivo, ao som da música que passa, dança e, ao mesmo tempo, dá uns toques na bola. Que, de vez em quando, lhe foge. “Eu gosto muito de dançar, e dá para fazer as duas coisas” explica Laurentina Simões, 85 anos, residente no Fundão há mais de 50 anos e a atleta mais idosa que participou, na quarta-feira, 22, no quarto encontro de “Walking footbal” promovido pela Associação de Futebol de Castelo Branco (AFCB), no âmbito da segunda edição do evento Covilhã Desportiva, dinamizado pela Câmara da Covilhã.

O “futebol a andar” foi a modalidade a abrir o certame e que mostrou que, no desporto, não há idade. Que o diga Laurentina, que orgulhosa ostenta a braçadeira de capitã da equipa fundanense. Ela, natural de Lavacolhos, mas que foi “criada na Barroca Grande”, mesmo ao lado do campo da bola, para o qual fugia quando ainda criança, para dar uns pontapés na bola. “Sempre gostei muito de futebol, desde pequenina. Uma vez, o meu pai atou uma linha à minha perna, e outra à ponta da mesa, porque eu andava a jogar futebol com as saias metidas dentro das cuecas. Tinha para aí quatro anos. Já nessa altura gostava” garante. Mas, jogar toda equipada a rigor, numa equipa, não era algo que imaginasse um dia. “Nunca tinha jogado assim, nem nunca me imaginava. Está a ser muito bom. Parece que gosto de tudo aqui” confessa.

Num encontro que contou com seis equipas de concelhos diferentes (Covilhã, Belmonte, Fundão, Castelo Branco, Oleiros e Vila de Rei), foram mais de uma centena os atletas, com mais de 50 anos, que tentaram mostrar habilidades, mas também que no desporto há muito mais que a competição. Há a amizade e convívio. Foram muitas as mulheres que integraram os “plantéis” das respetivas equipas. Por exemplo, Oleiros, que além dos cinco atletas em campo, tinha um banco de suplentes (com nove elementos) maioritariamente constituído por gente do sexo feminino. “Temos muitas. Nós, as mulheres de Oleiros, somos assim, fortes e arrojadas” garante Maria da Conceição, 75 anos, que a seu lado tem quem, a brincar, diga que “os homens ficam em casa e nós vimos jogar à bola”.

“Isto dá vida, dá saúde, dá tudo. É um convívio muito bom”

Maria até pensava que “isso, das mulheres virem, era de gente maluca. Mas também temos pés como os homens. Isto dá vida, dá saúde, dá tudo. É um convívio muito bom, com as outras equipas. Já as conhecemos todas. É o melhor. Saímos daqui com a alma cheia” assegura.

Também da Academia Sénior de Oleiros veio Amélia Dias, 79 anos. “Nunca na minha vida me imaginei a fazer isto. Eu ainda disse ao professor que não vinha, mas ele insistiu, e olha, cá estou. E tenho gostado. Já fui a quatro encontros. Faz-me bem à cabeça, até porque sou viúva. Tenho filhos, mas eles não têm vida para estar com a gente” lamenta. Quando confrontada com o jeito para a bola, se esta atrapalha ou não, garante que não. “Diga a verdade” desafia o “mister”, Filipe Henriques. “Vá, às vezes tenho medo de cair. Mas se cair, levanto” garante.

Filipe é o líder de um projeto que cativou 22 pessoas naquele concelho da zona do Pinhal. “As pessoas gostam. Deu uma dinâmica diferente à atividade física que ali havia. Temos um trabalho interessante. Começámos em outubro” explica. Sobre a forte presença feminina na equipa, a explicação são as aulas de educação física. “Tínhamos uma turma que quase toda ela transitou para aqui. O convívio e interação entre várias comunidades é o melhor que levam” frisa o responsável que, uma vez por semana, à quarta-feira, junta o grupo para treinar.

Já em Belmonte, mulheres, para já, não há. Algo que um dos participantes, Manuel João Saraiva, 69 anos, lamenta. “Estamos a tentar trazer mais elementos, sobretudo senhoras. Aqui todas as equipas têm uma série delas, o que dá outro brilho. Estão a fazer muita falta, porque acabamos por nos sentir, não direi discriminados, mas órfãos. Já houve algumas que experimentaram, mas por outros compromissos não estão. Vamos ver se conseguimos que deem o seu contributo” frisa.

Manuel, que durante muitos anos foi jogador, e também treinador de algumas equipas no futebol distrital, garante que não imaginava voltar aos campos de futebol quase com 70 anos.  “Estava muito longe de pensar que seria desafiado para mais um projeto, que todos nós achamos muito interessante. Estamos entusiasmados” garante. Lado a lado com os colegas, diz que no que toca às regras, uma das dificuldades é dizer ao pessoal para não correr, quando antigamente, na liderança de equipas, estava sempre a pedir o contrário aos seus atletas. “É muito difícil, até para mim, dizer para não correr. O que também é um desafio interessante cumprir com estas regras” afirma.

Armando Chaves, 71 anos, é um dos que, às vezes, se esquece. Que é para andar rápido apenas. “Lá dentro, ao princípio, é difícil. Há sempre a tentação de correr, por pouco que seja. Mas depois com o tempo, a gente vai lá” assegura. Revela ter “pensado um pouco” antes de integrar a equipa, mas não se arrepende. “É muito agradável. É bom, em termos físicos, mas também pelo convívio. Ajuda muito pessoas já com uma certa idade. Para não estarem paradas. Ajuda a passar o tempo” defende.

João Fonseca, coordenador da União Desportiva de Belmonte, realça o facto do clube belmontense, neste momento, ser o único, no distrito, com uma equipa destas.  “Para nós, enquanto clube, está a ser muito interessante, pois fomos o único clube do distrito que aderiu. Para nós é motivo de orgulho. Temos sido bastante elogiados por isso” afirma. João reconhece que não tem sido fácil atrair mulheres para a equipa. “Temos tentado, mas demora algum tempo fazer essa ponte” diz. Sobre quem já integra o elenco, feedback positivo. “Está a ser fantástico para eles. Aderiram. Quem veio, está a gostar. É um projeto para continuar” assegura. Quanto às regras, nem sempre fáceis de cumprir. “Muita gente ainda está em muito boa forma, e quando tem a bola à frente, o que quer é marcar, pelo que é difícil dizer para não correr” afirma. Em Belmonte, treina-se três vezes por semana: segundas, quartas e sextas, às 17 horas, no estádio municipal.

“Dores? Lá dentro esquece-se tudo”

E para os árbitros, é difícil apitar? Carlos Silva, há imensos anos árbitro no distrital, teve neste encontro a sua primeira experiência, garante que os atletas “são bem-comportados”, mas que de vez em quando, esquecem-se das regras.  “É um pouco difícil, porque tem algumas que, para quem não está habituado, é complicado seguir. A parte do não correr… toda a gente corre! Mas não se chateiam se apitamos falta” frisa, classificando a experiência, que partilhou com outro árbitro do distrital, Nuno Silva, de “muito boa”.

Também a Covilhã, através do município, criou uma equipa, após ser desafiada pela ACFB. André Vieira é o responsável pela mesma. Diz que desde que se abriram inscrições, “rapidamente arranjámos jogadores para a compor”. Uma adesão “espetacular”, que surpreendeu. “Numa semana formámos a equipa. No princípio, preocupava-nos se teríamos o número de mulheres suficientes, mas apareceram muitas. No início, até eram mais que os homens. Depois equilibrou. Como existem vários encontros, temos mais que estes elementos, pois quando uns não podem, vão outros” explica. André também encara a proibição de correr como a regra mais difícil de cumprir. “Não é fácil eles encaixarem isso. Quando se vê a bola à frente, há uma tentação de correr atrás dela. É uma batalha que temos com os atletas” afirma.

Pelo “team” covilhanense joga o senhor Pereira, 70 anos. Que revela que, quando na quarta-feira pisou o relvado do Complexo, “até as lágrimas me vieram aos olhos”. Isto, ao recordar tempos antigos em que brilhou nos pelados do distrito. “Fui cinco vezes campeão distrital, pelo Sport Covilhã e Benfica, clube infelizmente já extinto” lembra. Entrou no walking football face à insistência do sobrinho. “Chateou-me para vir, mas eu já não posso, tenho um problema nas costas. Mas lá dentro esquece-se tudo” assegura. Quanto às regras, “é facílimo, aprende-se num instante. Mas às vezes esqueço-me, corro e levo falta.”

A seu lado, Oliveira, 68 anos, considera o projeto “positivo para a nossa idade”. Segundo ele, ajuda a “praticar desporto, e acima de tudo, conviver. Estou a gostar muito. Sempre joguei futsal, entre amigos, mas nunca fui federado. É um bom convívio que temos. Às vezes temos tendência a correr, sim. Mas emendamos nos treinos, à quarta”.

Na Covilhã, a bola também se faz no feminino. Há vários elementos. Um deles é Maria do Carmo, 68 anos. “Eu nunca me imaginei a jogar futebol, até porque não lhe dava importância nenhuma. Mas agora faz parte da distração e convívio” afirma. Veio integrada num grupo que fazia ginástica. “O professor disse-nos para virmos, que era agradável. É mais um encontro de amigos. Já fui a outros encontros, tem sido bom” garante. Quanto à relação com a bola… “Fácil? Nem por isso” diz, a rir.

Já Piedade Dias, 79 anos, não tem dificuldades nenhumas. Pelo menos, é o que diz. “Até já meti golos” assegura, apesar de, com esta idade, não imaginar pisar um relvado. “Não pensava jogar à bola, mas eu gosto muito de desporto. Está a ser bom. Não é complicado. Conforme é a vontade, assim vão as coisas. Sou a mais velha, gosto muito de jogar e não perco um jogo” garante.

Uma iniciativa integrada no Covilhã Desportiva, mas que também serviu de preparação à presença de uma equipa da AFCB no encontro Nacional da modalidade que irá decorrer na Cidade do Futebol, em Oeiras.

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