Guilherme Gigante
Estudante de Relações Internacionais
A recente operação policial no Martim Moniz, em Lisboa, trouxe (ainda mais) as migrações para o centro do debate público. As imagens de indivíduos encostados às paredes, com as mãos no ar e sob supervisão policial, geraram indignação entre ativistas e partidos políticos. Críticos acusaram o Governo de estigmatizar comunidades específicas e de implementar uma agenda securitária alinhada com posições extremistas. A PSP defendeu a legitimidade da intervenção, mas este incidente é mais um símbolo de uma tendência mais ampla na Europa: a crescente associação entre imigração e segurança (ou a falta dela). Esta narrativa desumaniza imigrantes, ao serem apresentados como desestabilizadores da sociedade, e perpetua marginalizações.
Com o mundo cada vez mais interligado, as migrações têm-se apresentado como um fenómeno complexo para as fronteiras nacionais ao mesmo tempo que se salienta a interdependência entre os Estados. Os fatores inerentes a este fenómeno vão desde os conflitos armados e as violações dos direitos humanos até às alterações climáticas e desigualdades económicas. Aliada às migrações, está a xenofobia – caracterizada por sentimentos de ódio, medo, hostilidade e rejeição contra grupos étnicos diferentes, que se pode manifestar de forma física, política, cultural ou linguística, e reforça as disparidades sociais.
Apesar da cobertura mediática da crise migratória de 2015 ter sensibilizado a sociedade para as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes, alimentou também sentimentos racistas e xenófobos, consolidando a visão de que os imigrantes perturbam a homogeneidade europeia e agravam os problemas de integração, desemprego e criminalidade, frequentemente negligenciando os dados empíricos para serem formulados juízos de valor político.
A securitização das migrações é um processo onde elites políticas, opinião pública e meios de comunicação social enquadram a imigração como uma ameaça à segurança nacional. Este enquadramento resulta em medidas punitivas, como controlos fronteiriços mais rigorosos e operações policiais direcionadas, como a que aconteceu na Rua do Benformoso. Desde o 11 de setembro e, posteriormente, com a crise de refugiados de 2015, que se tem observado uma legitimação crescente de políticas de exclusão que reforçam o “novo racismo cultural” e contribuem para a polarização social. As consequências destas práticas são mais do que simbólicas, uma vez que comprometem os direitos humanos e a coesão social.
Apesar de serem frequentemente descritos como um fardo para as sociedades de acolhimento, os imigrantes contribuem positivamente para as economias europeias. Os estudos mostram que as migrações ajudam a compensar perdas demográficas, moderam a imigração ilegal e aumentam a flexibilidade do mercado de trabalho. No entanto, estas contribuições são frequentemente ignoradas a fim de alimentarem narrativas que associam imigrantes a ameaças à ordem pública e à estabilidade interna. Em Portugal, não sendo uma exceção em relação ao resto da União Europeia, é a securitização que tem impactado negativamente as políticas migratórias, dificultando a integração e perpetuando desigualdades, e não o fenómeno migratório em si.
O incidente no Martim Moniz retrata esta narrativa – reflete de que forma a imigração é frequentemente racializada e associada a ameaças. A resposta policial mostra como se mudou o foco humanitário para uma ótica de segurança. Este tipo de ações, pouco ponderadas e com o único propósito de alimentar agendas políticas, reforça estereótipos negativos e justifica políticas de exclusão. Aqui, o fundamental é saber abordar as causas estruturais das migrações e promover estratégias que favoreçam a inclusão e a coesão social – responsabilidade essa que o Governo tem estado a ignorar e, por diversos momentos, a agravar. Não basta receber, é preciso saber acolher e integrar, e isto aplica-se em todas as esferas do quotidiano.
Posto isto, a desconstrução da securitização exige mudanças profundas nas narrativas políticas que, mais tarde ou mais cedo, vão também mudar a perceção pública. É necessário reenquadrar a imigração como uma questão de direitos humanos e como uma oportunidade para o progresso económico e social. Governos, meios de comunicação social e organizações da sociedade civil têm um papel essencial nesta tarefa. Apesar de me parecer relativamente óbvio, reitero que os mecanismos de proteção dos direitos fundamentais dos imigrantes devem ser fortalecidos e não fragilizados, como uns tanto se orgulham de o fazer.
Para terminar, acredito que a securitização das migrações compromete os valores democráticos e perpetua ainda mais as desigualdades. Reverter este processo requer uma mudança na percepção da sociedade em relação aos imigrantes através de uma abordagem baseada na solidariedade, na cooperação internacional e no respeito pelos direitos humanos. Apenas assim será possível construir uma sociedade mais justa e segura, que valorize a contribuição positiva dos imigrantes e rejeite a desumanização que tem marcado as narrativas atuais de “nós” europeus versus “eles” não europeus.
Espero genuinamente que esta operação tenha sido um erro de casting e não esteja enquadrada na estratégia do Primeiro-Ministro em “promover uma imigração regulada para acolher com dignidade e humanismo os que escolherem viver e trabalhar”, conforme mencionado na mensagem de Natal. Se assim o for, é de lamentar o uso errado dos termos “acolher”, “dignidade” e “humanismo”.