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Mudar: é preciso querer

O ambiente e a sustentabilidade das sociedades estão na moda. Por imperativo das alterações climáticas, que já começaram, embora ninguém perceba bem como organizar a coisa e se fale muito e se faça pouco. Por causa dos movimentos de massas dos jovens, um pouco por todo o mundo a querer um futuro melhor. Mas, e sobretudo, porque o PAN subiu muito nas eleições europeias, os partidos ecologistas subiram nas eleições europeias e não vai haver nenhum partido que não fale de ambiente nas eleições legislativas.

O problema não está tanto em falar, mas sim em decidir o que vamos mudar no nosso dia-a-dia para proteger o ambiente…

Isto a propósito do sr. F, que é um caçador de javalis empedernido e não se conforma com a necessidade de perder peso e de fazer alguma dieta, para combater os factores de risco vascular que tem. O sr. F veio ter comigo depois de um episódio de tonturas que não respondiam à medicação e depois de se ter descoberto que tinha a circulação para o cérebro comprometida em 50% – ainda pouco para ter indicação clínica para ser desobstruído, mas claramente um risco para produzir trombos, bastante para originar tonturas e desequilíbrios ocasionais. Informei-o que tinha de fazer dieta e tinha de perder peso e tinha de fazer exercício – mas, dizia-me ele que “…fazia imenso exercício, na caça! E fartava-se de andar por montes e vales”. Como esta história da caça não é muito interessante para mim, geralmente não sigo muito a conversa, mas o sr. F tinha uma paixão pela coisa que puxava o interesse. Não era só da caça: sair de manhãzinha com os cães, e ver nascer o sol e sentir os cheiros da terra, dos bichos e o resto da malta e a festa toda que aquilo parece ser…fui sendo embalada pela conversa e tive de voltar atrás: “…porque se se tem um AVC ou um enfarte de miocárdio, não há mais caça para ninguém…” e lá vinha a conversa a mudar outra vez, que ninguém gosta de sermões e muito menos um beirão de 70 anos. Que o sr. F percebe de ambiente, mais do que muitos. “Havia de ver antigamente, era tudo muito melhor, tudo tratadinho, tudo arrumado, não havia leira por cultivar e arranjar. E nascentes em todo o lado, muito animal. Agora está tudo ao abandono, não há gente para tratar, foi-se tudo embora, ninguém cuida. As nascentes desapareceram, a terra seca, os pastos morrem. Não há gente e a Natureza mudou. E depois há uns quantos que até dizem que é mau caçar, porque magoamos os animais… Não acha que está tudo doido? Um país que se preocupa tanto com os animais, mas não consegue ver a miséria que anda por aí nas pessoas?”. Acho que o sr. F. não achou piada ao PAN.

Como se mudam os hábitos de uma vida, como se ensina a comer de forma mais saudável, como se diminuem os riscos vasculares de um povo que tem um dos índices mais altos de AVC da Europa? Uma colega, há uns anos atrás, sugeria ir às escolas com doentes ex-fumadores e com problemas respiratórios graves. Mas não houve escola nenhuma que achasse interessante a ideia. Eu ainda pensei em levar o sr. F à Unidade de AVC mais próxima para ele ver ao vivo o que é um AVC a sério, mas também achei que era uma causa perdida. As pessoas têm de querer mudar. E para isso têm de ter uma razão forte. Que a convicção que a medicina tudo resolve vem das séries da TV, mas não tem muito a ver com a realidade. Faz -se já muito, mas não o suficiente, particularmente nestas doenças de coração e vasos e cérebro. Portanto, a prevenção e a mudança de estilos de vida são a melhor abordagem a ter.

A verdade é que as pessoas gostam de receitas simples, um comprimido para isto e para aquilo, mas não têm paciência para gente que lhes diz umas verdades e lhes corta o queijo e os enchidos e, pior, os põe a fazer exercício e a perder peso.

As pessoas querem promessas e sonhos. A vida é muito difícil, a luta do dia-a-dia cansa e a esperança numa vida melhor, dita por alguém simpático e convincente é muito mais fácil do que olhar para a realidade e perceber que se vai continuar a ter uma vida difícil muito tempo.

Vai haver muitas promessas até Outubro. Entre outras coisas, vai-se falar muito em ambiente. Perceber o que se vai fazer de concreto é capaz de ser difícil. Se calhar, as pequenas mudanças do dia-a-dia de todos podem ser mais eficazes do que os 30 mil discursos que vamos ouvir sobre o assunto.

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