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Na família Dias, a brincar se aprendeu a fazer pão

Padaria, que tem arrecadado prémios, é negócio de família com quase 40 anos. O fundador, António Dias, em 1960 veio de São Vicente da Beira à Covilhã ver a bola e ficou até hoje, criando uma empresa que emprega filhos e netos

Quando chegamos, a meio da manhã, a azáfama é outra. Já se cozeu tudo, os fornos estão parados, a distribuição está na rua e o que se faz, agora, é limpar tudo. Desde a parede fumada ao cesto vazio. É assim, todos os dias, na Padaria Dias, na zona industrial do Tortosendo, uma das únicas, no país, que coze diariamente. “Sabemos a importância da disciplina. Isso foi-nos incutido, ainda em crianças, pelo meu pai. Percebemos a responsabilidade que temos enquanto padeiros” explica José Carlos Santos Dias, 54 anos, um dos três filhos do fundador da empresa, António Dias, 80.

José é, a par dos pais, do irmão e irmã, um dos cinco sócios da panificadora. E desde cedo começou a lidar com o pó da farinha e fermento, com o amassar ou cozedura do pão. Numa empresa que nasceu em 1984, mas cujo as origens vêm já da década de 60, quando o pai, António, no dia de aniversário, 1 de Abril, veio com a namorada (que se tornaria esposa) à Cidade Neve ver a bola, o Sporting da Covilhã no Santos Pinto. “Os meus pais são de São Vicente da Beira. Veio para a Covilhã e ficou. Trabalhava em muita coisa ao mesmo tempo, nas obras, na resina, mas o que gostava mesmo era de estar na padaria. Mas nem sempre havia trabalho. O primeiro foi na construção civil, mas depois surgiu a oportunidade de ir para uma padaria da cidade, a Tavares e Matias. Foi fabricando pão, e fazendo a distribuição numa carroça. Esteve um ano nessa casa e depois foi para a padaria Marroca, onde esteve 25 anos” conta José.

António, na altura com 23 anos, já tinha feito, pelo meio, formações na área, em Sintra, e facilmente se tornou o encarregado da padaria. “Era uma das maiores padarias do Interior do País, que chegou a trabalhar com três turnos. Fechou em 2000, pois não teve seguidores. Era uma grande casa. Foi a nossa casa, pois foi aí que aprendemos todos. Eu e o meu irmão. Na altura, o meu pai teve oportunidade de fazer as poucas formações que existiam em Portugal e tornou-se na altura um padeiro diferente” conta José.

Foi com o progenitor que os três filhos aprenderam. E, já há netos a trabalhar na empresa. “Vamos na terceira geração” conta com orgulho José. Que lembra como o negócio entrou na sua vida, ainda na meninice. “Nós, de pequenos, íamos levar o pequeno-almoço ao meu pai, que fazia dois turnos. E aprendeu que para fazer pão é preciso tempo, não é só juntar água e farinha. Nós, eu com sete, o meu irmão com 11 anos, gostávamos de ir, de ajudar. Para nós, era uma brincadeira. Aprendemos a fazer pão a brincar. Até que o meu irmão reprovou na escola, o meu pai, como castigo nesse verão, pô-lo a trabalhar na padaria. À meia-noite ia acordá-lo e eu, que dormia no mesmo quarto, fazia birra para também ir. Para ir brincar. E ele acabava por me levar. Aprendi o ofício a brincar e desde criança que começámos a ganhar dinheiro” assegura.

Em 1984, António, que ficara com a padaria Covilhanense, conhecida por carimbar o seu famoso pão espanhol, fundou a Padaria Dias. E ficou com os filhos a ajudá-lo. “Nós não queríamos estudar. E montámos assim um negócio familiar. Ali ao pé do Oriental de São Martinho. Rapidamente começou a crescer. Ficámos ali até 2000, altura em que viemos para aqui” explica José. Que guarda do pai ensinamentos para a vida, para ter o melhor pão. “Ele fez formações que ninguém fez. Sempre atento às pesagens, às temperaturas. Quando começou, as outras padarias vinham ver do senhor Dias para ele as ajudar. E ele, às escondidas do patrão, ia. Tornou-se numa espécie de mago do pão” conta o filho.

Apesar de, há mais de 50 anos terem aparecido produtos que facilitam a vida aos padeiros, na padaria localizado no Tortosendo, o segredo da qualidade é arriscar em não utilizar.  “Trabalhar como nós, com massa mãe, são poucos que o fazem. É como estar num trapézio de circo sem rede. Se faz uma asneira, o pão falha logo. Mas é um pão sem químicos, mais saudável” assegura o padeiro, que inicia o dia de trabalho à meia-noite, mas já não cumpre horários, que habitualmente vão até à hora de almoço. “Hoje já não faço isso. Tenho um horário diferente, pois para criar coisas novas é preciso tempo. Para brincar aos padeiros” afirma.

Fundador homenageado no Dia da Cidade

O pai, amanhã, sexta-feira, 20, será homenageado no Dia da Cidade, pelo percurso de vida que tem tido. “Já esperávamos que o meu pai viesse a ser homenageado. Mais ano, menos ano. Já era devido” afirma José, satisfeito pelo facto do filho e sobrinhas já estarem a trabalhar na empresa.  “A sucessão está feita. Temos cerca de 30 pessoas a trabalhar, mas não é fácil. É muita gente. No ano passado tivemos um volume de negócio de quase dois milhões de euros. Isso, em pão, em muita coisa” recorda.

Do Fundão a Belmonte, passando pelas Penhas da Saúde, há pão do Dias, um raio de atuação que “não é muito grande”, mas que não é o foco da padaria. “Temos é uma grande variedade de pão. No País inteiro não deve haver quem faça tanta variedade. É uma diferença que tem dado prémios. O segredo é a nossa paixão pelo pão” conta José Santos, que afiança que hoje ser padeiro é diferente de outrora. “Nos anos 70, 80, o padeiro trabalhava de noite, e de manhã, ia para a tasca. Hoje, não é assim. Já estuda, já se preocupa com a formação, com informação” conta. Tanto assim que se tenta recolher o máximo de dados para novas criações, a levar a concursos nacionais e internacionais.  “Gostávamos que as pessoas reparassem no nosso trabalho. Somos da Covilhã, ganhamos prémios sucessivos, temos sempre receitas novas. Percebemos que aqui, não há a inferioridade do Interior. Somos tão bons como outros, e por isso, começámos a apostar a sério. Quando vamos a um concurso, não é para participar. É para ganhar. E já nos começam a olhar para o logotipo” regozija-se o filho de António que acredita que é assim que se valoriza “o padeiro, a tradição e a região.”

Para o futuro, a ideia é manter a qualidade. E ter uma melhor pastelaria fina. “Já contratamos um novo pasteleiro e vamos trabalhar com outras coisas, como chocolate”. Com tempo. Pois esse é, segundo José Santos, “o principal segredo” para a qualidade. “Tudo o que esteja numa prateleira com prazos de validade numa etiqueta é para esquecer. Não recomendo. É uma diferença muito grande em relação às padarias tradicionais, como nós” afiança.

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