Acordei.Com um propósito. Não o de pegar o batente. Nada disso. Hoje que se lixe o trabalho. Quero vê-los. Olhar para eles e perceber no seu olhar, a desilusão, a dúvida, a incerteza. Desci para o pequeno almoço. Tudo na mesma. A senhora do serviço, o iogurte de morango, os croissants e o café com leite. Então, o que se passa? Na rua, a cor do costume. Cinzento. Talvez um pouco mais escuro. Céu carregado, chuva miúda, e vultos. Não os mesmos da véspera, outros iguais. Semblantes rugados, rostos vincados, saindo do peso das roupas grossas que marcam a época. Faz frio. Atravesso a rua, e entro no café, assomo-me ao balcão, e o empregado, o mesmo de sempre, serve-me a usual bica quente. O café é saboroso e aquece-me, antes de voltar à rua fria e húmida. Saio e percebo que o primeiro cigarro do dia de um, é entrecortado por um bocejo de outro, num “diálogo” de gestos e expressões que terminará invariavelmente num “até logo”, antes de cada um rumar para o seu lado, a caminho, sabe-se lá, de um longo sacrifício de oito horas a mexer em papéis e a fazer as contas dos outros. As pessoas não falam entre si. Emitem sons sem nexo, a roçar o ruído, e a olhar para, bom… nem eles sabem. As alvoradas estão cheias de seres assim, esquinados pelas paredes dos gastos edifícios que circundam a velha praça da cidade. Não vislumbro um olhar de carinho, muito menos descubro um sorriso. Daqueles genuínos, contagiantes, que nos alegram, e despertam uma sensação de bem-estar. Não, esta manhã estão todos mais “de trombas” do que o hábito. Caramba, não será caso para tanto, o facto de o governo cair, afinal outro se seguirá, e valha a verdade, há-de ser tão “bom” quanto o que agora arruma as gavetas e rasga processos. Enfim… há muito tempo para tal, afinal estamos em Novembro, há as castanhas e a jeropiga, o Natal está à porta, e com ele mais luz nas cidades, a seguir enverga-se o “smoking”, e toca a contar as passas para ao som do New York, New York, dançar, dançar e o novo ano saudar. E depois disso então, pensaremos, a sério naturalmente, em quem nos há-de governar.
Dou por mim a antecipar cenários, ao mesmo tempo que me resguardo da chuva, agora mais forte, nas arcadas da casa municipal. Aproveito também para continuar a “passar” o olhar por quem passa, uns para ali, outros para acolá. Mas tristes, aparentemente tão tristes. Sigo também o meu caminho, tentando fintar os pingos da chuva que caem dos algerozes. Cruzo-me com aquela senhora que encontro todas as manhãs, e à saudação de “bom dia”, um sim conformado por ter de ser. Chego ao lugar onde me esperam e comento que acho que a demissão política tornou esta gente ainda mais aborrecida. Qual quê, – disparam de imediato – …então não vê que o Sporting perdeu?!