António Rodrigues de Assunção
As notícias que nos últimos dias têm vindo a público não são nada animadoras no que toca a duas realidades diferentes, mas fortemente interligadas: de um lado, ficámos a saber que, quanto à execução do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), as coisas se apresentam muito problemáticas, uma vez que, com este Programa Financeiro a chegar ao seu fim, em 2026, estão em risco 66% das medidas ali previstas, inclusive as medidas contempladas para a Habitação. É claro que o sector já está a sofrer e vai continuar a sofrer os efeitos destes problemas financeiros. Enfim, lá teremos, uma vez mais, de recorrer aos mecanismos da revisão e reprogramação do PPR. São as fraquezas e as incompetências da Administração Pública que temos e, acima de tudo, são as incompetências dos sucessivos governos. Importa lembrar que o PRR para Portugal foi aprovado pela Comissão Europeia em 13 de Julho de 2021, e os primeiros fundos começaram a chegar ao país no mesmo ano. O seu encerramento, integralmente executado ou não, terá lugar sensivelmente dentro de um ano.
Este estado de coisas lança nuvens negras sobre a Habitação. Para mais, recentes dados publicados revelam que famílias sem casa digna são cinco vezes mais do que as casas previstas, revela o 1.º Direito. Mais ainda: por esta altura, “há mais de 143 mil famílias identificadas e, das 26 mil casas financiadas pelo PRR e que têm de estar concluídas até 2026, apenas 1950 foram entregues às famílias” ( Jornal Público de 5 de Junho de 2025). É certo que há, por todo o país, projectos em projecto e projectos em construção e reabilitações em curso. Mas a pergunta impõe-se com preocupação: iremos ainda a tempo de acudir a esta verdadeira calamidade social? Atenta a tudo isto tem estado a Comissão Europeia que em Relatório recente direcionado a Portugal releva que os objectivos da política para a habitação “não estão a ser cumpridos”. Vai mais longe e dá mesmo sugestões e conselhos ao Governo, entre os quais recorrer a imóveis desocupados ou devolutos, públicos ou privados, para aumentar a oferta (na Covilhã foi revelado pelo Presidente da Câmara que existem 5471 casas devolutas); a Comissão avisa também que as metas para a construção vão provavelmente falhar e recomenda “uma Nova Estratégia para o sector, que inclui o controlo das rendas”, entre outras medidas. Sem surpresa, a Associação Nacional dos Senhorios já veio, a propósito desta última sugestão da Comissão Europeia, equiparar esta ao Bloco de Esquerda!
E na Covilhã, qual é a situação? Houve ou não aumento do número de famílias em “situação de indignidade” habitacional face aos dados que constam da Carta Municipal de Habitação? O actual executivo teve, pelo menos, um mérito: elaborou dois documentos fundamentais: a “Estratégia Local de Habitação” e a “Carta Municipal de Habitação”. Além disso, algo foi feito sobretudo no âmbito da Reabilitação e parece haver processos em curso também nesta modalidade e na construção em terrenos municipais. É muito pouco, embora seja alguma coisa. O desafio está colocado desde já ao próximo executivo, seja ele qual for. É urgente definir o problema da Habitação como sendo de “emergência social”, mas, para que esta não passe de um “slogan”/promessa”, urge que, tomando posse, se passe rapidamente à acção.
Voltando às recomendações da Comissão Europeia, sou de opinião que a Estratégia para o sector na Covilhã deveria ser mais operacionalizada e enriquecida, sempre no âmbito dos dois documentos de referência. Assim, conhecendo-se a realidade social e as carências, seria de pensar, com os olhos postos em 2030, nas seguintes medidas de estratégia: 1- reservar um pelouro exclusivamente para a Habitação, destacando-se da Cultura e da Educação, sem qualquer prejuízo para estes. A política para a habitação deve ser definida colectivamente – e com a participação das oposições, acentue-se, porque é urgente acabar com as “políticas velhas” aplicadas pelas “maiorias” às oposições, como se estas não fossem representativas da população; por outro lado, exige-se um outro estilo e outra filosofia aos vereadores da oposição, criticando, sim, mas também propondo; 2- acelerar, no tempo que ainda resta até Junho de 2026, a execução do programa para a Habitação do PRR/Covilhã; 3- negociar com o Governo, no âmbito dos próximos OE, reforços de verbas para o Município, em especial para o sector; 4- apostar, após atento estudo e cuidadoso planeamento, no recurso aos Fundos do “Portugal 2030” que possam ser afectos ao financiamento de projectos de Reabilitação e de Construção. E aqui, talvez seja de equacionar o aumento da área de terrenos municipais susceptíveis de acolher construção pública para rendas controladas; 5- não seria, eventualmente, de descartar algum envidamento bancário pelo Município, que poderia complementar, se necessário, algumas verbas dos seus próprios orçamentos anuais; 6- encarar ainda as hipóteses de avançar para projectos de reabilitação, em todo o concelho, e também de construção, em verdadeiras Parcerias Município/Sectores Privado e Social; 7- negociar com os senhorios proprietários de casas devolutas, na cidade e nas freguesias, a fim de incluir estas na oferta de habitação a preços controlados; 8- finalmente, há que não esquecer a necessária articulação entre a habitação e o sector dos transportes públicos, não só na cidade, mas sobretudo entre as freguesias e a cidade.
O desafio é enorme, mas desafiante e apaixonante, porque visa o bem-estar de largas faixas da população, onde se encontram os jovens que sonham em constituir família e ter filhos e fixar-se por cá; onde se encontram também as famílias de imigrantes que escolheram a Covilhã para viver e trabalhar; onde se encontram ainda os milhares de estudantes que vindos de outras paragens escolheram a UBI para fazerem os seus estudos.