O atraso

E assim Acontece. Assim se despedia o jornalista Carlos Pinto Coelho, no final de cada emissão do diário de informação cultural  Acontece, emitido durante anos na RTP 2. Quase sempre boas notícias, porque era uma panorâmica sobre as intervenções culturais do país. E bem sabemos como ler, ver teatro, assistir a um concerto, ouvir boa música, ou simplesmente ir ao cinema, à partida nos pode ajudar a dispor bem. Logo, sermos melhores pessoas. Hoje podemos aplicar o “E assim acontece”, como mensagem de rodapé para o retrato de um Portugal em estado de profunda “catatonia”, e que muitas vezes se apresenta perante o mundo como um país com resultados sociais ao nível do sub-desenvolvimento. Meio século após a instauração da democracia. Todos achamos natural que as mães grávidas andem que nem baratas tontas dentro de ambulâncias à procura de uma unidade hospitalar aberta, que se digne recebê-las, para que possam ter pelo menos, se não uma “hora boa “, uma hora razoável para dar à luz a sua criança. Quase que nos pomos a apostar que acaba como tem sido constante, com o bebé a nascer em movimento, abrindo os olhos ao quilómetro vinte e sete da estrada nacional trezentos e setenta e oito, porque muitos hospitais têm os serviços de obstetrícia e maternidade encerrados. Peço desculpa, mas isto parece mesmo coisa de terceiro mundo. Não podemos estar constantemente a dar vivas à excelência do Serviço Nacional de Saúde, se simplesmente não existe adequado serviço público de saúde. Todos achamos natural que o Estado contrate meios aéreos para o transporte urgente de doentes, e estes se mantenham parados porque é preciso primeiro formar quem os opere. Ou então achemos perfeitamente natural que os meios substitutos não possam pousar nos heliportos hospitalares por falta de preparação das infraestruturas. Acontece que começamos a olhar com alguma naturalidade para a rapaziada a fugir das prisões por que não há guardas suficientes, e os que estão ao serviço apresentam sinais claros de doenças psicológicas, motivadas por excesso de trabalho ou por falta de condições para o seu exercício. As mesmas razões de saúde, do foro mental, que estarão muitas vezes na forma como agentes policiais e militares se “passam para o outro lado”, e ao invés de transmitir segurança, provocam medo social. A base da formação chama-se Educação. Mas se até aí, no sector onde deve estar a chave para o engrandecimento de uma sociedade, falta pessoal técnico e operacional que organize os estabelecimentos de ensino do país em lineares espaços de conhecimento e de formação de capital humano?! Assistimos a uma Escola Pública com sinais evidentes    de impreparação. É lá que está a essência da coisa. Do tudo ou do nada. Que nos faz olhar para um mísero parque habitacional, e acharmos natural que milhares de portugueses não tenham uma casa diga para morar, ou que tendo, habitam a muitos quilómetros do seu local de trabalho ou de estudo, e são obrigados a sentir-se como sardinhas em lata, para cá e para lá, quando têm a sorte de o comboio se fazer à linha, ainda que com atraso. Com muito atraso, e achamos natural. E assim acontece.

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