Carlos Madaleno
Em 1990, a Associação de Defesa do Património, da Covilhã assinalava o seu 11º aniversário. Ao evento juntavam-se as associações, “Amigos da Covilhã” e “Cava Juliana”, sendo a data pretexto para abordar a necessidade da criação de um museu para a Covilhã. Aquele que fora fundado, em 1929, por iniciativa do então presidente da Câmara Municipal, Almeida Eusébio, há muito que fechara portas e desaparecera da memória da cidade, da mesma forma que o museu Eduardo Malta, inaugurado a 20 de outubro de 1979, nunca deixara de ser provisório, na localização e nos objetivos. Para o efeito, convidou-se como palestrante António Salvado, antigo conservador do Museu Tavares Proença Júnior, especialista de reconhecido mérito com provas dadas. Sobre a palestra e subsequente reportagem no “Notícias da Covilhã”, havia de se pronunciar na última revista “Matereais”, um dos mais renomados museólogos da atualidade, Luis Raposo, ex-dirigente do ICOM-Portugal, ICOM-Europa e o primeiro português a integrar o conselho executivo do Conselho Internacional de Museus. Não se dispensará, pois, a leitura do referido artigo, onde Luis Raposo nos expõe, de forma magistral, a importância e atualidade da museologia preconizada por António Salvado. Pela nossa parte, visamos somente demonstrar a necessidade do reconhecimento que a Covilhã deve manifestar ao contributo do antigo diretor do museu Tavares Proença. Na referida palestra, António Salvado começou por lançar o desafio à Universidade, Associativismo e Câmara Municipal para darem as mãos e elaborarem um texto programático que contivesse a planificação dos objetivos e da instalação do novo museu. Defendia “um museu que se deve abrir a tudo o que diz respeito à vida (…) que testemunha o passado e se interessa vivamente pelo presente”. Insistia na ligação da peça exposta ao contexto cultural onde estava inserida, para ele, “todo e qualquer objeto pode ganhar a dignidade de peça de museu”. Como nos refere a reportagem do NC, o museu da Covilhã deveria ser “naturalmente um museu repartido e incluir numa das suas componentes a área têxtil”.
O Museu de Lanifícios, inaugurado, cerca de 2 anos depois, em 30 de abril de 1992, é o primeiro a refletir, logo na conceção e nascimento, os valores defendidos por António Salvado. Constitui a primeira experiência de musealização, iniciada e concluída no nosso país, no domínio da arqueologia industrial. Iniciou-se com os trabalhos de arqueologia desenvolvidos entre a UBI, que o detém e gere, e a Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial e resulta da conservação e musealização da área das tinturarias da Real Fábrica de Panos, instituída em 1764, apresentando uma estrutura polinucleada.
Em 2008, seria inaugurado o Museu Arte e Cultura, que após reabilitação, é hoje o Museu da Covilhã e, em 2011, o Museu de Arte Sacra, ambos de gestão municipal. Contribuíram para, no conjunto e ao alargarem o âmbito das coleções apresentadas, se aproximarem do conceito de ecomuseu e museu repartido, preconizado por António Salvado. Se a estas unidades acrescentarmos as, hoje, abrangidas pelo conceito de “não museu” enquanto espaços, ao serviço da sociedade, que investigam, colecionam, preservam, interpretam e expõem o património, então ganha sentido a afirmação de António Salvado de que, “na Covilhã, uma vasta área patrimonial, uma vez recuperada, pode ser integrada no conceito dinâmico de ecomuseu ( igrejas, judiaria, muralhas etc…). Eis a opinião de alguém que soube estar na vanguarda da museologia.