António Pinto Pires
(Professor)
A história surge narrada numa edição recente do jornal Público. Um mestre pedreiro português foi o único estrangeiro, entre os vários empreiteiros contratados, para participar na construção de vasta empreitada levada em Espanha.
O Vale do Caídos, para além de procurar ser um monumento colossal, procurou transformar-se num símbolo da ditadura franquista, também conhecido por “Vale de Cuelgamuros”, mandado erguer pelo ditador espanhol Francisco Franco supostamente para homenagear os heróis da sua cruzada, ao mesmo tempo que celebrava a sua vitória naquela que foi uma das mais sangrentas guerras civis travadas em Espanha.
Como é do conhecimento público, Franco procurou ainda e desta forma, ao construir tão enigmático monumento, reunir nas suas catacumbas restos mortais de ambas as fações em confronto, numa tentativa de apaziguamento ou apagamento desse período negro da história espanhola, onde o próprio determinou fosse sepultado na tal suposta atitude conciliatória.
É sabido que este capítulo constitui ainda um quebra-cabeça para os nossos “hermanos”, por ainda não se encontrar resolvido, ao saber que figuras emblemáticas do estado espanhol, ora ligadas ao republicanismo e todas as forças situadas à esquerda do nacionalismo espanhol, foram sumariamente eliminadas, bem patenteadas na obra de Picasso, a “Guernica”.
Para além da guerra, foram as execuções massivas, ocasionando que muitas das pessoas eliminadas, os seus corpos fossem enterrados em valas comuns, facto que tem desencadeado o surgir de movimentações no sentido de localizar muita dessa malograda gente, citemos o caso de Garcia Lorca, bem recente.
Mas regressemos ao caso do português mencionado. Chamava-se Manuel Rodrigues Crisógono. Não se sabendo ainda bem como, pois é um assunto ainda sob investigação por parte de Xurxo Ayán, arqueólogo da Universidade Nova de Lisboa, este Manuel Crisógono rapidamente se transformou num dos maiores beneficiários deste projeto do Vale dos Caídos, sabendo-se que foi o único estrangeiro entre os numerosos empreiteiros contratados para esta obra, tendo participado em diversos trabalhos por um período de sete anos, ao longo dos quais participou na exploração de presos políticos como mão-de-obra e beneficiou do sistema de corrupção que prevalecia na obra. Sabe-se ainda que foi o terceiro contratante mais importante.
Este empreiteiro português aderiu ao sistema de trabalhos forçados de condenados, tendo solicitado trabalhadores prisionais em 1948. Recebeu 36 reclusos, que trabalharam para ele durante um período máximo de sete meses.
O empreiteiro português conheceu uma ascensão vertiginosa na sociedade espanhola, de tal forma que já se fazia anunciar como fornecedor de pedras de todos os tipos na Revista Nacional de Arquitetos, tendo o mesmo participado na construção de diversas outras obras emblemáticas em diversas localidades espanholas. Chegou a contar com cerca de 200 trabalhadores a seu cargo, e em 1954, segundo dados publicados, faturou mais de 34 milhões de pesetas.
Mas algo o ligou à nossa região. Natural de São Paio de Gramaços, uma freguesia de Oliveira do Hospital, casou-se com 21 anos no Tortosendo a 30 de janeiro de 1907 com Maria Delfina de Almeida de Oliveira, segundo os dados dos registos notariais, ainda sob investigação.
Como nota final, Cuelgamuros, isto é, Vale dos Caídos, iniciou uma nova ressignificação em 2019 quando os restos de Francisco Franco foram exumados para um outro cemitério de Madrid, o que não deixa de lhe conferir uma enorme simbologia da ditadura franquista.