Estava o militante muito seguro dos passos a dar na sua natural ambição política, quando o chefe o abordou num determinado sentido, e que resultou
num efusivo e rico diálogo; “Olha lá, já pensaste em candidatar-te à Câmara?, pergunta o mais alto dirigente. “À Câmara, por acaso já tinha pensado nisso, mas qual?! “, responde muito interessado o imaginado autarca. “Tinha pensado na de Bainhas de Lençol de Baixo.” – “Humm… não sei, não sou de lá, não conheço lá ninguém, ainda se fosse em Fronhas de Almofada de Cima, que tenho lá um primo, afastado vá… mas não deixa de ser um primo”… -“pois, estou a ver, mas a malta de Bainhas de Lençol está a precisar da tua dinâmica, e na verdade temos mais hipóteses de agarrar a câmara. Os outros gajos estão lá há doze anos, já ninguém os pode aturar”. – “Oh chefe… mas aquilo está cheio de “buracos “, dá muito trabalho, precisa de uma volta total, não sei… tenho de ter uma equipa muito forte, de gente capaz”… “então não hás-de ter, vai lá… e pensa nisso” O homem saiu do partido, meteu-se no carro, e lá foi ele rumo à dita cuja localidade de que já se via presidente da câmara. Não sem antes parar para um café no da Ti Conceição, ali mesmo à saída para a estrada nacional. Ainda antes de voltar ao carro, pegou no telemóvel e ligou à mulher, secretária- administrativa numa empresa de construção civil. “Oh Maria do Céu, tu não queres lá ver o que me acabou de acontecer?”-“Mas como é queres eu saiba lindinho?! O nosso homem, Arlindo de sua graça, é carinhosamente arredondado para “lindinho”. Faz sentido. – ” Então não é que o Pereira me convidou para ser presidente da Câmara?!”- “A sério, mas qual?”-” Qual…o Pereira do partido, que Pereira haveria de ser!”- “Não, que diabo, qual Câmara ?! “- “Oh rapariga… não interessa qual, mas sempre te digo que é para as Bainhas de Lençol.” -“Oh homem, mas tu estás doido ou quê… mas alguma vez eu vou viver para ali… mas é que nem penses… eu nem conheço lá ninguém… por acaso a Filomena que trabalhou aqui muitos anos no escritório, é de lá… mas não, nem penses. Aquilo não vale nada, é só gente que não presta”.
Arlindo deu as últimas passas no cigarro, e fez-se à estrada… pensativo… não ignorando a determinação de Maria do Céu, e a força das suas palavras. A frase “… é só gente que não presta”, não lhe saía da cabeça. Mas pôs-se a caminho do centro de Bainhas. Nada como uma primeira passagem de vista sobre a sede do Município. Um homem bem “avisado” é logo outra coisa. Estacionou no Largo da República, e pôs-se a calcorrear umas quantas artérias. Espreitou o comércio local, esboçou alguns sorrisos, mas ninguém lhe dispensou a mais pequena das atenções. “Também há muitos estrangeiros, é natural que não me conheçam”, falou Arlindo com os botões do seu blazer azul escuro, coçado na zona dos cotovelos. “Está visto”, voltou a pensar. Meteu-se no carro e zarpou. À saída da localidade viu algo que o intrigou, de que não gostou. Ao fim da tarde já no partido, de novo com o Pereira. “Bom, não desgostei daquilo, tem potencial, mas é preciso construir. Há muitas barracas.”
– “E então, sabes bem o que fazer, construir sim senhor, mas primeiro é preciso acabar com as barracas, e essa gente…”, rematou o Doutor Pereira. “Pois aquela gente…já a minha mulher me disse o mesmo”, pensou o Arlindo. E assim foi, se bem o pensou, melhor o fez. Lá anda ele em campanha em Bainhas de Lençol de Baixo, a prometer uma casa digna para todos, até mesmo para “aquela gente”. Mas primeiro, há que acabar com as barracas.
NOTA
O papel vai de férias. As edições impressas do Notícias da Covilhã voltam em Setembro. Sigam-nos em www.noticiasdacovilha.pt e nas redes sociais.
Boas Férias!