José Fragoso Henriques
“Morte em Veneza” é o título de um excelente livro de Thomas Mann que Luchino Visconti realizou em 1971 com enorme sucesso, quando o cinema, na Europa, era apreciado em salas dedicadas a sétima arte, e apenas. Em 1974, Franz Beckenbauer, lidera o seu Bayern de Munique na conquista do primeiro título de campeão europeu. O jogo ocorreu em Bruxelas, a capital política de uma Europa em reconstrução e que afirmou no último quartel do seculo XX um tempo de progresso social. Beckenbauer, que viria a falecer em Salzburgo, uma cidade bela, plena de música, viveu e espalhou por muitas cidades da Europa, e do velho globo, espetáculos inesquecíveis de bom futebol, conciliando bravura e técnica, ousadia e segurança. Rasgando o conceito do que era um defesa no futebol.
Libero, o defesa no futebol que actuava livre de marcação, ganhou uma vida maior com o alemão que acompanhou a afirmação do Bayern de Munique ao topo do futebol na Alemanha e da Europa. Na sua posição imperial, dominadora, a partir da linha defensiva, definia o jogo ofensivo da sua equipa e a atacar, defendia. O termo Kaiser, como sabemos, tem a sua origem remota em Caesar, o líder máximo, de Roma. Muitos homens, usaram esse título, muitos tristemente, outros com brilho intermitente, mas Beckenbauer, corporizou uma liderança assente no exemplo, ética, estética, coragem e lealdade. O Kaiser, evolução alemã, que Caesar tomou, dava cor aos nossos écrans de televisão que só transmitiam a preto e branco. Os seus duelos, com um Prínceps do futebol, Johan Cruijff, foram plenos de beleza, esse ideal que acontece por vezes nos estádios de futebol. E, creio, que de quando em quando, ainda a magia desperta. Durante a década de setenta, trouxe cor ao mundo do futebol, campeão europeu de clubes, por três vezes, campeão europeu e mundial de futebol. A máquina de jogar futebol que foi a selecção da RFA, Alemanha Ocidental, ainda era o mundo da Guerra Fria, que talvez continue, assentava muito na visão estratégica e condução do jogo deste bávaro. Era, ainda, um tempo europeu de regiões, nações, mas com um sólido respeito nos relvados e nos estádios, no público. Estava longe o futebol, ou melhor, corrijo, jogos de futebol aviltados em actos de violência e demência. A tragédia de Heysel ainda era impensável. Seria a 29 de Maio de 1985. Naqueles dias, tudo o anunciava e aconteceu.
O Kaiser Beckenbauer era o maestro de uma arte que implicava princípios, saberes que descobriam caminhos inexplorados gerando rupturas nas linhas adversárias. Algumas vezes entristeci nas suas vitórias perante o meu mais amado futebolista. Sim, Johan Cruijff. Em julho de 1974, em Munique, foi uma dessas ocasiões. Vi o jogo, transmitido em directo na RTP, na Praia das Maçãs. Estava de férias.
O Kaiser Beckenbauer, o único Kaiser do Mundo que devemos admitir, passeou “classe e beleza” pelas belas cidades da Europa. Morrer em Salzburgo é de algum modo uma metáfora, seria ainda maior a metáfora se tivesse sido em Veneza.