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O novo “ouro branco” e o Interior (2): riscos e malefícios

António Rodrigues de Assunção

Por conseguinte, o lítio – o tal novo “ouro branco”, que tanta gula está a gerar no Governo e entre os empresários do sector – estende-se em reservas mineiras por quase todo o Interior. Compreende-se esse pecado capital da gula se se tiver em conta, por exemplo, que no último ano e meio, o lítio viu disparar a sua cotação em cerca de 500% (!) nos mercados internacionais. Andariam, porém, bem avisados ministros e candidatos a exploradores dos recursos deste historicamente abandonado Interior em seguirem os sábios conselhos do Infante D. Pedro, o das “Sete Partidas”, que, no “Tratado da Virtuosa Benfeitoria” e sobretudo na famosa “Carta de Bruges” (1426) aconselhava os homens do poder e da economia a cultivarem a temperança, que é a virtude contrária da gula. E, já agora, dizer que muito teria o planeta e a biosfera a ganhar com esta temperança dos humanos, tantos são os riscos e os malefícios de toda a espécie que as oito (ou mais ainda no futuro?) minas do precioso lítio já estão e irão estar ainda mais a provocar nos equilíbrios ambientais à medida que as concessões de extracção forem avançando por esse Interior fora. Basta verificar os relatórios com pareceres negativos de organizações locais, associações ambientalistas e outras que alertam para danos fundos na paisagem, na biodiversidade, nos recursos hídricos e no bem-estar das populações de Montalegre, onde se situa a famosa Mina do Romano, que já foi entregue à Lusorecursos.  E idênticos malefícios ameaçam a área da Mina de Boticas, no antigo distrito de Vila Real.  No caso da Mina do Romano, a prevista ampliação da área de concessão vai implicar uma área de exploração que ocupará o equivalente a quatro crateras a céu aberto que somarão qualquer coisa como 70 campos de futebol. E, pior, esta área está dentro do sistema Agrossilvopastoril do Barroso, classificado como Património Agrícola Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação. Isto sem falar da contaminação de linhas de água, solos e aquíferos.

Idênticos riscos e malefícios são assinalados para as outras áreas de exploração, incluindo aqui, também, os concelhos da nossa Cova da Beira ( Belmonte, Covilhã e Fundão), onde pontifica uma área agrícola de grande fertilidade e que beneficia do Regadio respectivo. Neste caso, são já apontadas as freguesias de Peraboa e Ferro como candidatas a futuras minas. O cenário, portanto, não é nada promissor se, entretanto, nada for feito.

Que o leitor não me interprete mal. Eu sei o que está em causa na questão do lítio: são, essencialmente, as baterias para os telemóveis e carros eléctricos, com estes últimos a carburar sem recurso aos combustíveis fósseis tradicionais. O dilema parece claro: ou há lítio a jorrar das minas já identificadas e então haverá telemóveis e automóveis e autocarros movidos a electricidade e não por combustíveis fósseis, com evidentes benefícios para o ambiente; ou não haverá lítio e nesse caso sofrerá o ambiente com o aumento constante das emissões de gases com efeitos de estufa. A escolha parece ser de cristalina evidência. Dá-se, no entanto, o caso de a exploração do precioso mineral acarretar ele próprio malefícios e riscos não só para o ambiente, a biodiversidade, para os lençóis freáticos, para os terrenos agrícolas e para os cursos de água, mas ainda – e não menos importante – para a saúde das próprias populações locais, que aí vivem e fazem os seus modos de vida. Ou seja, a exploração do lítio – que beneficia de forma leonina os ávidos exploradores extractivistas – longe de trazer benefícios que se vejam para as regiões do Interior e suas populações (as câmaras municipais vão contentar-se com um prato de lentilhas de cem mil euros em troca de a tudo cederem), ainda vai deixar cair em cima das populações os efeitos nefastos dessa exploração. E afugentar, em futuro breve, os mais jovens, desertificando ainda mais estas terras. Que fazer, então? Acusar os povos de serem contrários ao “progresso”? Nem pensar. Creio, porém, que a Lógica Ternária do Terceiro Incluído pode, ao contrário da Lógica Binária do Terceiro Excluído, este último sempre dominante por alimentar a gula dos senhores do Mundo, reúne condições para a construção de uma alternativa viável aos traços do dilema em presença. Em tese: esta questão do lítio, se as populações e as forças vivas do Interior assim o quiserem, pode vir a mudar a face destas vastas terras historicamente esquecidas e abandonadas. Em perspectiva poderia estar um verdadeiro plano integrado de desenvolvimento económico, socioambiental e cultural que incluirá uma exigência: que a cadeia de valor do lítio fique, toda ela, da extracção à refinação e à produção de baterias, em terras do Interior. Voltaremos.

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