Conversa ao telefone; “Luisinha, a seguir às aulas vens para casa almoçar?! – mãe, não posso ir logo porque me vão buscar à saída do liceu. – Buscar-te filha, como assim, quem… porquê?! – mãe, tenho um directo para a televisão! – Oh… minha querida filha, mas que bom, que bom… sendo assim vai lá, a que horas é… quero-te ver… mandas-me um beijinho, quando estiveres a dar?!- Tchau mãe, até logo “. Bom, terá este diálogo acontecido, ou é apenas uma caricatura dos novos tempos? Que obviamente se estende a diversas actividades. Matamos os velhos, e rejuvenescemos os locais de trabalho. Na produção, na criação, na televisão. O jornalismo, este que “dá” nos canais, por tão próximo, é o que mais nos entra pelos olhos dentro. Os canais de notícias transformaram o espaço mediático numa passadeira de “pitas ” e putos que, postados lá nos “locais dos crimes” por pastores da desinformação, vão “enchendo chouriços”, informando coisa pouca. Voltou a ver-se às carradas a propósito da tragédia ocorrida em Lisboa com o brutal descarrilamento do Elevador da Glória. Horas esquecidas de atropeladas e atrapalhadas emissões, repletas de ruídos de imagem saídos de mosaicos de coisas a mexer, e que são bem, tal como o trágico acidente, uma metáfora do país. Que infelicidade. Coisa amarfanhada esta, em que tudo isto se transformou, sem culpa ou responsabilidade, sem o mínimo de exigência. Um Portugal a fingir, que destrói a experiência e promove a inconsequência. E assim é, num monumento nacional desgovernado que mata quase duas dezenas de inocentes, em milhares de hectares de florestas a arder, em centenas de portugueses perdendo uma vida, e nós… continuando à mesa a “papar ” tudo, como se tratasse do melhor repasto.
Ah espera… vai jogar a selecção, e há que pintar a tela com pinceladas de antevisão, análise, comentário, num desfilar de cientistas do futebol. -“Vamos já em directo para a porta do estádio onde está o nosso repórter que terá perguntas importantes a fazer a milhares de ávidos adeptos que se aproximam do local do evento. – Com certeza, tenho aqui ao meu lado a senhora Maria de Lurdes que veio ver Portugal com o marido e a quem pergunto… quem vai ganhar? Nós, claro! Por quantos?! dois zero… e quem marca os nossos golos minha senhora… um o Hélder Postiga e o outro o Sá Pinto…então dona Lurdes. esses já não estão… ah não… que pena… então diz o meu marido… fala Asdrúbal, diz qualquer coisa! – “Bom… está na hora de voltarmos ao Instituto de Medicina Legal para actualizarmos o número de vítimas do acidente “. – O acidente é o país, somos nós, é isto, é o nosso quotidiano de fazer de conta, de irresponsabilidade, de uma certa leviandade, é o nosso melhor olho de mirone espreitando a próxima desgraça. Para podermos lá voltar. Em directo!