10 ilhas 1 sonho
André Amaral (Expresso das Ilhas)
Há dias que não cabem no calendário. Dias que parecem nascer de uma canção antiga, soprada pelo vento nas ilhas, onde o mar fala e o povo escuta. O 13 de Outubro de 2025 será para sempre um desses dias — o dia em que Cabo Verde olhou o horizonte e viu o mundo inteiro a sorrir-lhe de volta.
Foi preciso tempo, paciência e fé. Décadas de bola correndo nas ruelas de terra, de crianças descalças a chutarem sonhos, de homens e mulheres que acreditaram quando ninguém mais acreditava. O futebol cabo-verdiano sempre viveu da coragem de quem parte e da esperança de quem fica. Nas ilhas e na diáspora, o coração bateu sempre pelo mesmo azul.
E agora, esse coração pulsa mais forte do que nunca. Cabo Verde está no Mundial. Diz-se devagar, para ter a certeza de que é verdade. Cabo Verde está no Mundial. As palavras têm um sabor novo, salgado e doce, como o vento da tarde em São Vicente, como a morna que fala de saudade, mas também de esperança.
Os “Tubarões Azuis” conquistaram o impossível. Com humildade e raça, com disciplina e alegria. O apuramento não foi apenas um feito desportivo; foi um milagre colectivo. Cada jogo foi uma viagem, cada golo uma promessa cumprida, cada defesa uma afirmação de que o pequeno pode ser grande se acreditar o suficiente.
E no fim, como num conto que o tempo guardará, foi Stopira — o homem da entrega silenciosa, o veterano que parecia já ter dado tudo — quem deu o toque final. Um remate, um desvio, uma lágrima. Aos 37 anos, o lateral escreveu o golo que libertou uma nação. Quando a bola beijou as redes, o grito atravessou o Atlântico. Do Plateau ao Mindelo, das Montanhas do Fogo às ruas de Roterdão e Lisboa, Cabo Verde explodiu em festa.
As buzinas misturaram-se com tambores, os abraços tornaram-se preces, e os olhos marejados contaram histórias que não cabem em palavras. Nesse instante, todos foram um só povo. Não havia distância, nem saudade, nem separação — apenas a certeza de que o sonho pode, sim, vencer o destino.
Agora, o mundo saberá onde fica Cabo Verde. Saberá que há um arquipélago que canta quando luta, que dança quando sofre, que joga futebol como quem reza. E quando, no verão de 2026, os jogadores vestirem de azul diante de milhões, será mais do que um jogo: será um poema vivo, escrito em suor, em sal e em alegria.
Porque esta qualificação é mais do que história — é um abraço entre o que fomos e o que podemos ser. É o mar a sussurrar aos filhos que partiram: “Conseguimos.” É o orgulho de um povo que aprendeu a transformar ilhas em mundos e sonhos em realidade.
Cabo Verde chegou ao Mundial. E o Mundo, enfim, vai conhecer a alma azul do Atlântico.
Cabo Verde no Mundial de 2026
Florentino Cardoso
cabo-verdiano, economista
A festa está sendo bonita, pá! Estamos todos de parabéns! Cabo Verde rejubila. Um país pequeno como Cabo Verde, onde o futebol é uma componente forte da identidade nacional, consegue uma qualificação inédita ao Mundial de Futebol em 2026! E todos festejam, dançam, riem, abraçam-se. Uma boniteza só.
Muito se disse já e muita tinta vai correr. Ao nível mundial. A ida de Cabo Verde ao Mundial de Futebol de 2026 tem repercussões económicas significativas, directas e indirectas, a curto e médio prazo. Juntando-nos ao coro de muita alegria, permitam-nos alguns comentários supostamente úteis e sérios sobre essas repercussões. Sem preocupações de rigor e com valores por conferir, ressaltamos (5) cinco grandes áreas:
1. Receitas directas e visibilidade internacional | · Prémios da FIFA: Só pela qualificação, a FIFA atribui dezenas de milhões de dólares a cada seleção participante (no Mundial de 2022, cerca de 9 milhões USD só pela presença na fase de grupos). Para Cabo Verde, seria uma injeção orçamental comparável a uma percentagem relevante do PIB anual do desporto nacional. · Publicidade e patrocínios: O aumento da visibilidade internacional atrairia novos patrocinadores, tanto locais como estrangeiros (bancos, telecomunicações, companhias aéreas, bebidas, etc.). · Direitos televisivos: Os direitos de transmissão e o merchandising oficial gerariam receita adicional para a federação e para o país. |
2. Turismo e imagem-país | · Aumento do turismo: A presença no Mundial eleva a notoriedade do país no estrangeiro. Muitos países pequenos (como Islândia em 2018 ou Costa Rica em 2014) [1]registaram picos de turistas nos anos seguintes à participação. · Marca nacional: Cabo Verde projecta-se como um país dinâmico e bem-sucedido, reforçando o “soft power” nacional e melhorando a atração de investimento estrangeiro |
3. Impacto interno e economia local
| · Aumento do consumo interno: Durante o Mundial, cresce o consumo de bens e serviços (bebidas, restauração, televisões, transportes, etc.), estimulando o comércio e o emprego temporário. · Infraestruturas desportivas: Mesmo que não se jogue em casa, o sucesso pode justificar investimentos em estádios, centros de treino e formação, com efeitos multiplicadores na economia local. · Efeito multiplicador psicológico: O sucesso desportivo aumenta o orgulho nacional e a confiança, o que pode ter impacto positivo no consumo e no investimento interno. |
4. Diáspora e remessas | · Cabo Verde tem uma forte diáspora (em Portugal, EUA, França, etc.), que reage com entusiasmo. o Mais remessas e consumo de produtos nacionais podem surgir. o O Mundial reforçaria a ligação emocional entre emigrantes e país de origem |
5. Riscos e limitações | · Efeito temporário: Muitos benefícios são de curta duração, desaparecendo após o Mundial. · Gestão financeira: O impacto positivo depende da boa utilização das receitas (se forem investidas em desporto, turismo, juventude, etc.).C · Custos de preparação: Se o governo investir demasiado em estágios, viagens e logística sem retorno proporcional, pode haver pressão orçamental |
A qualificação de Cabo Verde para um Mundial terá efeitos económicos muito positivos, sobretudo em termos de visibilidade internacional, turismo e orgulho nacional, desde que as receitas e o entusiasmo sejam bem canalizados para investimentos estruturais. Uma estimativa numérica, muito simplificada de quanto a participação de Cabo Verde no Mundialcaminho) poderá acrescentar económicamente, com base nos dados disponíveis e em comparações com casos semelhantes, seria como segue:
Dados de partida
O Produto Interno Bruto (PIB) nominal de Cabo Verde em 2024 foi de 2,77 mil milhões de dólares americanos, de acordo com dados oficiais do Banco Mundial. O valor foi também reportado peloTrading Economics.
Outras informações sobre o PIB de Cabo Verde em 2024:
- A economia cabo-verdiana registou um forte crescimento, impulsionada principalmente pelo secctor do turismo e, em menor grau, pela recuperação da agricultura.
- O crescimento do PIB em volume foi de 7,3%, superando as projeções iniciais do Banco de Cabo Verde e do Fundo Monetário Internacional.
- O crescimento em 2024 marca uma aceleração em relação ao crescimento de 2023.Espera-se resultados igualmente positivos para o ano de 2025.
Estimativas de impacto económico do Mundial, distribuido em várias componentes, com hipóteses realistas, e somado para dar uma ordem de magnitude do impacto como % do PIB ou valor absoluto.
Componente | Hipóteses | Estimativa potencial | Como isso se traduz no PIB de Cabo Verde* |
Prémio FIFA / subsídios direto da FIFA pela participação | Supondo que a FIFA dá algo como USD 8-12 milhões pela presença na fase de grupos (valor depende do torneio). | ± USD 10 milhões | ≈ 0,4% do PIB |
Patrocínios, merchandising, direitos de transmissão | Se houver parceiros locais/internacionais, vendas de mercadorias, direitos-TV para transmissões em Cabo Verde e diáspora. Poderia gerar mais USD 5-15 milhões adicionais. | ± USD 10 milhões | + ~0,4–0,6% do PIB |
Turismo extra / visitas | Supondo que a ida ao Mundial leva a um aumento do turismo nos 1-2 anos seguintes de, digamos, 5-10% no número de visitantes, especialmente daqueles que descobriram o país pelo futebol. Se turismo é 25% do PIB (~USD 0,63 B), um aumento de 5% gera +USD 31-32 milhões. | ± USD 30 milhões | + ~1,2% do PIB |
Consumo interno, empregos temporários, comércio | Gastos em festa, transmissões, cafés, bares, produtos oficiais, transporte, vestuário; supondo que isso mova mais USD 5-20 milhões internamente. | ± USD 10 milhões | + ~0,4% do PIB |
Efeitos de longo prazo — reputação, investimento estrangeiro, melhorias em infraestruturas desportivas | Mais difíceis de quantificar; supondo que esses efeitos possam traduzir num aumento anual do investimento ou do turismo que adicione +0,5-1% do PIB nos anos seguintes. | Em valor, pode equivaler a USD 10-25 milhões/ano adicional por alguns anos | + ~0,5-1% do PIB ao longo de 2-3 anos |
Variáveis que podem afectar muito essas estimativas
- Quão longe se vai no Mundial (ir só à fase de grupos dá menos que avançar às oitavas, quartas, etc.).
- Custo das deslocações, logística, preparação — parte dessas receitas pode ser consumida pelos custos.
- Grau em que o turismo extra e investimento externo se consolidam.
- Estabilidade económica, política, infraestruturas de apoio (hotéis, transportes, aeroporto) para receber mais visitantes.
- Gestão e transparência: como o governo/instituições aproveitam esses recursos.
A ida de Cabo Verde a um Mundial de Futebol terá um impacto económico real e mensurável, entre 0,8% e 3% do PIB nacional, dependendo da forma como o país capitalizar a exposição mediática e reinvestir os ganhos.
Os maiores benefícios virão de:
- maior visibilidade turística internacional;
- reforço da marca Cabo Verde como destino seguro e vibrante;
- estímulo à unidade nacional e ao orgulho coletivo, o que também favorece a economia interna.
Gráfico da distribuição percentual do impacto total
Nesta análise despretensiosa, permitimo-nos concluir:
- Cenário optimista: Cabo Verde poderia ganhar cerca de 50–60 milhões de euros (≈ 3 % do PIB), com forte impulso em turismo e consumo interno.
- Cenário pessimista: Mesmo com limitações, o impacto líquido seria de ~1 % do PIB, o que já é expressivo.
- O turismo é o motor principal, mas o efeito reputacional e de diáspora pode prolongar os benefícios por vários anos.
Cabo Verde está no Mundial. Vários desafios emergem deste facto. Saibamos estar à altura. Parabéns a Cabo Verde e a todos os cabo-verdianos e povos amigos, dentro e fora do país.
[1] Islândia (2018): População semelhante (~400mil). Após o Mundial, o país registou um aumento de 10% no turismo e um crescimento nas exportações culturais e de serviços; Costa Rica (2014): O PIB cresceu acima da média regional após o sucesso da seleção, impulsionado pela confiança e pela promoção internacional