Às terças e quintas-feiras decorre no bairro onde moro, uma feira, uma venda ambulante, comércio de generalidades, desde roupa interior, passando por malas e sapatos, alguma bijuteria, e claro, acabando em roupa de cama e atoalhados. Bem cedo, sou alertado para o forte martelar nas espias, por onde passarão as cordas, que hão-de segurar as coberturas dos postos comerciais. Em seguida e durante umas cinco horas, soltam-se os pregões da manhã; “… é tudo a um euro, só um euro… venham lá minhas senhoras”. Por norma há muito mais mulheres que homens a apreçar as pechinchas, e a esboçar o tradicional regatear do preço. Invariavelmente, sempre que oiço os primeiros chamamentos “oh freguesa… venha cá que o que eu tenho é que é bom…”, lembro-me daquele político que agora está na moda, e que me parece um vendedor. Dos de banha de cobra, produto de origem duvidosa que era vendida por charlatães. O “meu” político também tem a cura para todos os males, ou visto de outra forma é personagem para identificar como ninguém as maleitas da sociedade. Sabe sempre o ranço dos outros, e o bolor social que lhe é consequência. Dono de uma bem sonora e audível auto-promoção, tem não só a receita de que todos precisamos, como possui dotes que lhe conferem o estatuto de mágico. De feiticeiro, vá. Sim, diria que é uma imagem de fantasia, vê-lo montado numa vassoura, voando sobre um cinzento país, e que à sua passagem se torna no mais alegre e colorido dos territórios.
Uma noite destas, ainda escuro como breu, bem antes dos primeiros vendedores iniciarem as suas instalações, acordei em pânico. Antecipando a montagem das vendas, o inconsciente levara-me para um sonho sem pés nem cabeça. Pensara eu. Será possível? Dei por mim a falar sozinho, a macucar como também se diz. Irritado. O cenário criado durante o sono era o de duas pessoas sentadas à mesa, parecendo alinhar estratégias para o futuro. O nosso futuro, está-se mesmo a ver. Penetrando de forma mais aprofundada no que “vislumbrava”, tratava-se de um almoço promovido por um titular de um dos mais fortes grupos portugueses de comunicação social, e que punha a “comer do mesmo prato”, o almirante candidato a presidente, e o tal político-feirante, autor do diagnóstico total e dono de um impressionante receituário preso no forro do interior do seu blazer. O dia começou, decorreu, e haveria de terminar com a notícia de que afinal o tal encontro à mesa não me tinha surgido durante o sono. Aconteceu mesmo… o que vimos a seguir foi uma indigestão, um tipo (muito) cheio de si, ostentando a bazófia do costume, pregando presunção… e não achando alguém que o representasse, não achou melhor que ele próprio para avançar para mais uma eleição, como nova acção de venda das suas ideias peregrinas, raras, excepcionais, sem igual… enfim, tirem-me deste filme de terror.