Procurar
Close this search box.

O projecto

“O senhor Amorim borrou a pintura do quadro que estava a pintar”

Se o senhor Amorim fosse um engenheiro civil do Grupo Casais, e fosse contratado pela China State Construction Engineering, uma das maiores construtoras mundiais, ninguém se importaria muito, a não ser os mesmos, as empresas naturalmente, a família, e eventualmente os vizinhos. Se o senhor Amorim fosse um quadro superior da Wilkinson, e passasse a barbear-se com Gillette, a troca do “projecto” só “arranharia a pele” dos mesmos. O senhor Amorim não vende lâminas nem vai para a China ajudar a construir diques. A frase “agradou-me o projecto” ouve-se amiúde da boca de jogadores e treinadores de futebol que acabam de trocar de clube, ou que estando livres no mercado de trabalho, assinam contrato com uma nova sociedade. Na prática, uma entidade patronal, e o “projecto” a que se referem, é na verdade um conjunto de condições, na sua maioria salariais, bem como outras formas de rendimento. “É o mercado a funcionar”. Outra frase habitualmente utilizada por comentadores, analistas e outros especialistas do mundo do futebol -e como o futebol é um mundo- para rotular as mudanças de clube, as transferências a meio da época, os contratos por cumprir, e os pagamentos de astronómicas cláusulas – algumas pornográficas- que prevêem as rescisões dos mesmos. Pela forma como isto, isto é o futebol, se tornou num enorme negócio, dou de barato a ideia de que há pouco que possamos fazer para condicionar esta triste realidade.

 

Mas o futebol é um jogo com gente dentro. Gente que o suporta, que o sente, gente que o vive, que com ele vibra, gente que o ama. O futebol é outra coisa. Bem diferente. “Mexe” com a vida de milhões que choram, e não são lágrimas de crocodilo, pelos clubes que seguem. Em milhares de casos, uma vida inteira. Como bem se viu por estes dias com a repentina mudança de um treinador de futebol para Inglaterra. No caso do senhor Amorim, muito mais do que isso. Algo que ele próprio ajudou a criar, estava a consolidar, e na verdade, de que era o verdadeiro líder. De pessoas e de emoções. Dirão; é o mercado a funcionar, e o “projecto” afigura-se mais aliciante. Nada disso. A prova está na forma como o universo leonino reagiu, quase entrando em depressão colectiva. Aqui o senhor Amorim era muito mais do que um treinador de uma equipa profissional de futebol. Em minutos, ao trocar um projecto na verdadeira acepção da palavra, por um contrato milionário num dos mais importantes clubes de futebol do mundo, volta a ser treinador de futebol. E acreditem, o grande desafio estava em Lisboa. São dois, na verdade. Dois desafios. Por um lado, mudar o paradigma no futebol português, e do mesmo modo dotar o clube de um modelo e conceitos de uma importância superior. Ficaria para a história como o pai dessa mudança. Ficará como o treinador que em cinco anos venceu dois campeonatos. O futebol também é cruel. O senhor Amorim borrou a pintura do quadro que estava a pintar. E isso, as gentes leoninas levarão tempo a perdoar-lhe.

VER MAIS

EDIÇÕES IMPRESSAS

PONTOS
DE DISTRIBUIÇÃO

Copyright © 2024 Notícias da Covilhã