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Os autarcas

“O Município não pode, não deve ser, uma passagem para outras margens”

Não deixa de ser um pouco inusitado que a poucos dias de eleições legislativas, eu me proponha escrever sobre autarcas. Essas figuras maravilhosas que põem o país a mexer. Há uma razão, talvez até mais do que uma, a principal é que o acto eleitoral antecipado, a meio de uma legislatura em que um partido governava com maioria absoluta de deputados no Parlamento, não estava no “programa das festas”, e veio também “mexer” com a vidinha dos líderes regionais, dos que pretendem seguir a carreira, e sobretudo com a vida daqueles que ambicionam a um estatuto nacional. Ou seja, “porem-se a mexer” dali para fora, e voar, voar através de outros céus políticos.

Muito do futuro imediato ou de curto prazo, de muitos dirigentes partidários joga-se igualmente no próximo mês. Muitos houve naturalmente que “sossegaditos” na sua cadeira do poder de terceiro e último mandato, estavam longe de pensar ter de “jogar” algumas cartadas, puxar de trunfos guardados, colocando-se na montra, à espera de serem escolhidos para listas de candidatos a deputados, alegando como é óbvio, a prestação de um enorme serviço ao partido. Perdão, à pátria. Amada por todos, está bom de ver, que a colocam acima de qualquer interesse individual.

Nas semanas marcadas pela escolha do “menu a apresentar à mesa” das eleições legislativas, viu-se como tantos se chegaram à frente, levantaram o braço, acenaram e sorriram à possibilidade de conferir elegibilidade ao seu nome. Ora, a esta sequência de acções e de movimentos, chamamos suspensão do mandato. O Código Civil estabelece que o mandatário é alguém que assumiu um contrato com um mandante. No caso dos governos regionais, que na verdade é o que são as autarquias, o titular do cargo recebeu um mandato para decidir o rumo da “sua” cidade em nome dos cidadãos. Os seus mandantes. E esse poder deve ser tido em conta até ao último momento, para que essa obrigação que lhe foi conferida, tenha reflexo na melhoria de quem o mandou para o lugar e lhe disse; “faz desta cidade um lugar melhor para todos vivermos”. É verdade que o lugar não deve ser nada fácil, a avaliar pelo número de presidentes de câmara que têm sido chamados a prestar contas à justiça, muitos deles suspeitos de cedência a interesses privados, mas o Município não pode, não deve ser, uma passagem para outras margens. Em Filosofia, a origem da palavra autarca atira-nos para um conceito de “bastar-se a si próprio”, ter o poder sobre si mesmo, em que o indivíduo dispensa os valores universais para se guiar. Aqui nesta lógica mais terrena, o que importa mesmo é uma irrepreensível noção de serviço público, e uma noção clara e inovadora do “Ser Cidade”. Ainda falta muito para as eleições cá na terra, mas é o que todos devemos pensar em exigir dos nossos próximos autarcas.

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