A expressão “és um bocado distraído” é muitas vezes utilizada não para sublinhar a desatenção de um indivíduo, mas em alguns casos para chamar a atenção de alguém que em dado momento roça a ignorância. Inepto, lerdo, néscio… bom, o desaforo pode ter a intensidade que lhe quisermos dar, tal o volume da adjectivação para classificar a “distracção”. E pronto… eis-nos chegados a tão esperado ponto em que o Presidente da República se assumiu em definitivo como um homem da bola – eu que o achava um homem de tola -, e deu a nota de “lentos” a todos os portugueses que não vão à bola com ela, a bola. No mínimo. Marcelo Rebelo de Sousa é um homem instruído, conhecedor, culto, foi dessa forma que o país o viu, se apresentou ao eleitorado que o colocou em Belém, e de quando em vez atira umas bojardas (remates sem defesa); “um português que não tem paixão por futebol é um português um bocado distraído”. Rematou, tolhido pela emoção. Não senhor presidente, um português que não tem paixão pelo futebol, revela em muitas casos, ter os “cinco alqueires bem medidos”, ou seja, pode estar no seu perfeito juízo. Portanto a léguas de estar distraído. Ele há tantas coisas tão mais interessantes do que o futebol, e até reveladoras de um certo bem-estar na vida. Nada melhor como definição, do que citando um homem do futebol, o treinador italiano Arrigo Sacchi; “o futebol é a coisa mais importante dentre as coisas menos importantes”. Se a interpretarmos de forma literal, num ápice colocamos o futebol no seu devido lugar.

Eu gosto mesmo muito de futebol, do jogo, por assim dizer, mas não me sinto nada refém desse entusiasmo, e acho mesmo que o futebol em Portugal é elevado a um completamente desmedido topo de prioridades. Na perspectiva de que achei aquela inaudita cerimónia de entrega das medalhas pela conquista da Liga das Nações pela selecção nacional de futebol, uma coisa tosca, bem reveladora aliás de um país à beira de um ataque de ignorância, repleto de, esses sim, distraídos. Eu gosto muito de futebol, mas confesso, não sinto particular orgulho por o país muitas vezes aparecer no mapa do mundo, graças a um jogador de futebol que continua a querer ser melhor do que todos. Preferia mil vezes, que fossemos conhecidos por sermos recordistas europeus na lista dos mais baixos índices de analfabetismo, ou por sermos um exemplo mundial nos cuidados de saúde, ou até por estarmos no topo das populações mais felizes do mundo, ou ainda por esse mundo reconhecer o trabalho que estamos a desenvolver pela erradicação da pobreza no país. Isso sim, é que dava direito a medalhas. Agora Portugal ser o país do Ronaldo… como andamos distraídos, senhor Presidente.
