TRIBUTO A PINTO PIRES
NOTA: O NC recupera, nesta edição, um texto de fevereiro de 2022 do seu colaborador, durante 40 anos, António Pinto Pires. Que nos deixou há uma semana atrás. Obrigado professor!
As redes sociais têm proporcionado aos seus utentes um constante reavivar da(s) memória(s), se quisermos, quais viagens no tempo, ou de como reviver o passado. Não obstante quando idilicamente classificamos o passado como o melhor da vida como se “naquele tempo é que era bom…”.
A memória humana tem essa caraterística de muitas vezes seriar e eliminar o que de mais negativo existiu, conduzindo a um certo saudosismo, sendo conveniente não esquecer, na Covilhã, como em muitos outros lugares, terem existido inúmeros exemplos de muito sofrimento humano, tempos de enormes contrastes, provavelmente hoje impensáveis. Para tal, basta ler a “Lã e a Neve” de Ferreira de Castro, ou a “Covilhã do Trabalho”, de Elias da Costa, citando apenas estes exemplos.
Os museus / espaços de memória, têm essa caraterística de plasmar um tempo passado, estabelecer cronologias, fazer um retrato diacrónico de tempos diversos. O recentíssimo Museu da Covilhã enquadra-se nessa nova corrente museológica, com grande suporte visual e tecnológico, procurando “sumariar” séculos de história, correndo sempre um risco inevitável, a omissão de muitas realidades, marcos importantes na formulação da identidade deste território, Covilhã e sua envolvência. Basta olhar para o seu “Alfoz” para se perceber a dimensão territorial, sem omitir o social.
Se entrarmos por este caminho, do social, não basta referir o quantitativo das unidades fabris havidas, mas sobretudo perceber o porquê da sua génese, acrescendo a questão dos movimentos operários, do sindicalismo (ainda), do mutualismo com um historial fabuloso (ainda), a própria génese e percurso do(s) patronato(s), das ousadias que o caracterizaram, e por aí adiante.
No campo da arqueologia, o tema não se esgota em simples abordagens, não se podendo quedar por um retrato breve de alguns vestígios existentes, mas perceber sobretudo um tempo pré-histórico culminando na romanização, ainda com fortes indícios. Alguma inércia, neste campo, justifica o estado deprimente em que muito espólio pétreo da “Cava Juliana”, ainda se encontra, há décadas, ora num jardim aos elementos, ora numa garagem amontoado. E não devia. No dizer de Jorge Alarcão, a Covilhã possuía uma das melhores coleções de mós da península.
A história da cidade e seu território tem muitas vertentes que reclamam aprofundamento e conhecimento, tais como o ensino, do técnico ao politécnico; a memória dos bombeiros numa cidade que sempre coexistiu com o fenómeno dos fogos; a importância do cinema e da fotografia; a dicotomia da paisagem rural e urbana, os movimentos migratórios; as vias de comunicação; o trajeto da saúde (ainda); o ostracizado ex-centro de saúde mental poderia assumir um excelente papel de relevo, até pela sua localização; um sem fim de temáticas que reclamam a tal abordagem diacrónica felizmente plasmada em muitas obras escritas mas que importava visualizar.
Convém recordar que já muito se “teceu” e se andou, acabando por cair em saco roto, o que é de lamentar. Mas ainda a tempo de recuperação.
Os espaços de memória, se os entendermos como laboratórios do conhecimento, do saber e da experiência, assumem essa função. Agora que nos reclamamos Cidade da Unesco, pode ser o momento ideal para se pensar e projetar um projeto dessa dimensão. Espaços são coisa que não falta nesta cidade, uma urbe remontando às origens da nacionalidade, se proclamou da lã e da neve, almejando o saber e a ciência. Quando já temos uma universidade.
Muita da paisagem fabril ao abandono podia, neste contexto, reassumir um papel determinante e de enaltecimento. Bastaria limpar e dignificar alguns desses espaços restituindo-lhes a dignidade merecida. Seria de uma beleza incomparável e revivida.