A “Manchester portuguesa”, assim era conhecida a Covilhã nos tempos áureos da indústria de lanifícios. “As fábricas estavam na rua como casas. Quase todas as ruas tinham uma fábrica”, conta Isabel Duarte, 88, antiga trabalhadora dos lanifícios, na mesa redonda que juntou antigos e atuais trabalhadores do setor, organizada pela turma finalista de Ciências da Cultura da Universidade da Beira Interior (UBI) no âmbito do projeto “Elas ao Som da Fábrica”, na passada terça-feira, 9.
Isabel começou a trabalhar com apenas dez anos quando foi a uma fábrica pedir cortes para fazer em casa. “Aos 12 anos, na minha casa, todos dormiam e eu trabalhava à luz do petróleo sozinha. Às vezes davam-me o corte e diziam ‘ó Isabelita, vê lá se o trazes amanhã’ e eu fazia tudo por tudo para fazer o trabalho”, conta. Foi assim até aos 28 anos, quando entrou para o quadro da empresa. “Depois de me reformar, aos 48 anos, ainda estive a trabalhar em casa. O patrão pedia-me para arranjar peças para os clientes”, diz.
As irmãs Ana Maria, 67, e Maria do Carmo Gaspar, 77, também fizeram parte da indústria dos lanifícios da Covilhã. Ana Maria começou a trabalhar com 13 anos, após a morte do seu pai. “Fiquei sem pai aos 13 anos, éramos sete irmãos e tínhamos de começar a trabalhar”, conta a agora reformada. Inicialmente trabalhou numa fábrica de bobines e de tubos para as fazendas onde esteve 13 anos, passando depois para os lanifícios, onde teve várias funções que iam desde as máquinas bobinadeiras a retrocedores.
A irmã, Maria do Carmo, também ingressou no mundo do trabalho cedo, com 12 anos. Passou por empresas como José Paulo de Oliveira, Empresa Transformadora de Lãs e Pereira Nina. “A gente por mais 25 tostões saía de uma empresa para ir para outra”, conta. Relembra também as caminhadas que fazia até ao local de trabalho: “Vinha da Boidobra a pé para pegar às oito horas da manhã. Era na neve, era tudo”. Embora admita um passado com algumas dificuldades, Maria não esconde também a alegria vivida nesse tempo. “Passamos muito, mas éramos feliz”, recordando as festas que se faziam na fábrica Pereira Nina. “Fazia lá muitas festas com os empregados. Juntava-se ali tudo e faziam-se grandes bailes, grandes fados”, afirma.
O sentimento de alegria é partilhado por Alcina Máximo, 68, antiga trabalhadora da Sotave, em Manteigas, onde esteve 37 anos. “Andávamos contentes. Tínhamos uns chefes muito bons”, assegura. Alcina refere que, na altura, trabalhavam “com grandes clientes enquanto trabalhavam com lã, depois começaram a fazer misturas e foram perdendo clientes. Quando vem a quantidade e não a qualidade…”. Embora tivesse começado a trabalhar aos 12 anos, Alcina afirma que teve uma infância bonita, e que ainda hoje tem amizades feitas durante os anos que esteve na empresa.
Hoje com 86 anos, Francisco Sainhas começou a laborar aos 12 na Nova Penteação e no Roque Cabral. “Vinha do Canhoso para a Covilhã. A pé, de inverno rigoroso, com neve, chuva… chegava muitas vezes à fábrica e tinha de mudar de roupa, ia todo molhado”, conta.
Maria José Sousa, 88, à semelhança dos intervenientes mais antigos também começou a trabalhar nova, com 14 anos. Aprendeu a meter fio e sempre foi o seu trabalho. “Saía da fábrica e ia para casa fazer a minha vida e ia trabalhar para os cortes à noite”, explica.
“Estou presente com uns heróis”, diz Sandra Ferreira, 48, que representou as atuais trabalhadoras dos têxteis, embora já não faça parte do setor. Sandra refere que trabalhou no setor das confeções durante 24 anos, e saiu o ano passado para ingressar num projeto de investigação na UBI. Tendo feito parte da equipa de chefia da empresa, Sandra refere que por vezes tinha de pedir aos trabalhadores para fazerem horas e “muitas vezes as mulheres tinham de pedir autorização aos maridos”. Contudo, Sandra afirma que “houve uma evolução nesse sentido” devido às gerações mais novas.
“São ramos muito difíceis, o têxtil e o vestuário, por isso todas as pessoas que trabalham neste ramo são heróis e heroínas. É um trabalho sob pressão”, afirma.