Os três dias que abalaram a Europa

António Rodrigues de Assunção

Os acontecimentos que tiveram lugar na Europa nos dias 14, 15 e 16 deste mês, na reunião da NATO em Bruxelas e na Conferência de Segurança de Munique, com a presença de uma delegação da Administração norte-americana chefiada pelo vice-presidente Vance, foram de tal modo afirmativos e assertivos, que não deixaram qualquer dúvida nos protagonistas europeus acerca do que espera o futuro próximo do Continente Europeu e, em especial, a União Europeia.

Digamos por palavras simples e directas o que se pode depreender das declarações e discursos dos responsáveis norte-americanos: os Estados Unidos da América preparam-se claramente para pôr um ponto final, num prazo mais ou menos curto, na Aliança Transatlântica, que dura desde o final da Segunda Grande Guerra, no plano não só político mas também – e sobretudo – no plano militar. Quem não esteve atento aos discursos de Bruxelas e de Munique ou lido os respectivos resumos na imprensa, só pode ter motivos para agora ficar surpreendido. Mas, manda a verdade que se diga que nada foi dito pelos norte-americanos que nos tenha apanhado de surpresa. Já durante a campanha eleitoral, Donald Trump apontara as linhas gerais de qual seria a sua doutrina e a sua política, seja esta elaborada por si e pelos seus conselheiros ou pela famosa “Heritage Foundation”.

Do status quo transatlântico que sustentou a chamada “Ordem Mundial”, saída do fim da 2.ª Grande Guerra, não ficou, em Munique e em Bruxelas, pedra sobre pedra. Tão pouco os responsáveis enviados de Trump deixaram de indicar cruamente ao que vinham e disseram-no de forma clara e, mais do que isso, por vezes com arrogância e falando grosso. Os europeus, asseveraram os americanos, não vão mais contar com a ajuda norte-americana, terão de ser eles, os europeus, a tratar dos seus assuntos, no que respeita, principalmente, à sua Defesa. A NATO, disseram-no de forma implícita, mas não deixando margem para dúvidas, vai colapsar com o fim do seu Artigo 5.º, que consagra, desde 1949, o princípio da solidariedade dos seus membros. Um artigo que define a essência funcional da Aliança. Suprimido este, soçobra a Aliança. Tal significa que cabe agora à Europa estudar, pensar e montar as suas forças de defesa. Foi aliás o que disse Zelenski, em Munique, ao realçar que a Europa vai ter de criar o seu próprio exército. Que ninguém pense ou diga que se defende aqui qualquer militarismo. Trata-se de a Europa, se for necessário, se defender. O seu escopo será sempre a Paz.

Dito isto de forma resumida, é tempo de afirmar que o futuro está às portas da Europa. Pronto para o enfrentarmos. Seja-me permitido afirmar aqui, recorrendo a Kant e à sua eterna definição do que é o Iluminismo, que se perfila perante a Europa a necessidade vital e histórica de, como um todo civilizacional e cultural que sem dúvida ela é, de sair da sua menoridade política e geopolítica de que ela própria, a Europa, é culpada. Culpada, sim, da sua falta de cuidado em tratar de si própria, sempre abrigando-se sob o guarda-chuva americano, em vez de rumar à sua autonomia estratégica,  definindo o seu lugar e o seu papel no Mundo, em cooperação e não em competição agressiva com todos os povos, e inspirando-se, naturalmente, na riqueza da sua diversidade cultural e nos valores mais profundos da sua Civilização, incluindo os valores universais do Cristianismo, onde imperaram os vários Renascimentos, desde o Carolíngio; nos contactos com todos os povos do globo – é certo que manchados profundamente pelo tráfico de escravos e pelo colonialismo – na Revolução Científica dos séculos XVI, XVII e XVIII, no seu rico pensamento filosófico, enfim na sua grandiosidade nos diversos domínios da criação artística. É a “Princesa Europa” que espera por nós, construtores do seu futuro.

Os desafios, os problemas e os obstáculos a vencer são enormes. Destes, eu destacaria dois: um externo, que nos ameaça existencialmente – a Rússia, como outrora a União Soviética; e outro interno, o das forças populistas da Direita Radical e da Extrema Direita. A primeira ameaça, teremos de a enfrentar com a criação de uma verdadeira Política de Defesa e de Segurança, que solidarize e associe todos os países e povos da Europa que nela queiram participar.  Já o combate às forças inimigas da Democracia, teremos de o fazer com a defesa dos valores do Humanismo, do Estado de Direito e da Solidariedade. Urge que todos e principalmente os partidos democráticos, em Portugal e em todos os países europeus, encontrem as formas mais sensatas, firmes e politicamente mais eficazes de combater essas forças que trazem no bojo as sementes de uma nova barbárie.

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