Paolo Di Canio: e o melhor golo da sua vida

José Fragoso Henriques

No bairro em que nasci, um bairro popular, de gente trabalhadora, operários, trabalhadores do comércio, essencialmente, nos idos de sessenta e setenta, uma parte da educação era “grupal”, na rua, nas colectividades. Na Graça, o meu bairro, dentro dos limites físicos definidos pela minha geografia sentimental do espaço, e consensual para a restante malta, existiam sete ou oito agremiações populares. O Maria Pia destacava-se no basquete, o Operário no futebol, o Graça no ténis de mesa e por aí fora.

Nestas verdadeiras Casas das Pessoas, criadas e mantidas pelo povo, ensinavam-se princípios, regras, maneiras e valores. A Honra era um deles. Assim, nos nossos jogos, avulsos, na rua, num largo ou praceta, e por vezes no ringue, a simulação de uma lesão, de uma falta, eram “chutadas para canto” e merecedoras de quem jogava, de quem assistia, os Homens, efectivamente os adultos, com um cortante e simpático “levanta-te e deixa de fingir”.

O ensinamento que eu e os meus amigos recebíamos, é que não existe outro caminho que continuar a jogar, e jogar limpo. Pode parecer pouco, mas é muito. Gerações de crianças assumiram assim valores e atitude construtiva. Com essa mistura nasceram novas famílias, casas, bairros, cidades com as condições que hoje sabemos. Creio, que foi assim em toda a Europa pós-guerra. O futebol ou o football são expressão maior desse processo social e cultural e por isso, ainda resiste, nos bairros, nas vilas, nas pequenas cidades do mundo.

Paolo Di Canio, excêntrico, iconoclasta, provocador, emotivo, nascido em 1968 em Roma, é um filho do calcio que fez histórias, umas bonitas e outras feias, digo eu, mas protagonizou uma história na Premier League que será eterna. Em Dezembro de 2000, no Goodison Park do Everton de Liverpool, antecipou o Natal. No lance anterior Paul Gerrad, o keeper adversário ficara lesionado, caído por terra. Di Canio viu-se isolado perante as redes, a baliza estava aberta, era apenas rematar e marcar, mas em vez disso agarrou a bola com as mãos e parou o jogo. Interrupção, guarda-redes substituído, e um estádio aclamando a atitude. A FIFA atribui-lhe mais tarde, o Prémio Fair Play. O jogo terminaria empatado a um golo, e Di Canio fez o melhor golo da sua vida, o golo que não fez.

De Paolo Di Canio, quase tudo se disse, Paulo Futre conta dele muitas, e boas histórias, mas esta, esta história, fica para a História. E acredito que foi a Honra que aprendeu nos bairros de Roma atrás da pallone, que num Dezembro de 2000 Paolo Di Canio revelou.

Do “Meu Canto” acredito que em todo o Homem vive o Bem e o Mal. Misturados de maneiras que não dominamos. A vida nas ruas e a preciosa luta dos clubes de bairro ou de vila, num tempo distante, e pode ser que ainda hoje, espero, ofereciam a possibilidade de treinarmos o Bem, indistintamente de condições individuais. No pelado, nada de relvado, sangravam os joelhos de todos. E o que cada puto fazia era passar cuspo nas feridas e seguir. E seguimos para a vida.

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