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Pequena visão, grande comércio

Por André Leitão

Médico

 

A Covilhã continua a crescer, e a descer. Encosta abaixo, gruas e escavadoras esventram a terra e vão trocando as antigas quintas, pastos e pomares por prédios, estacionamentos e pavilhões. É o progresso, dirão alguns.

Virá agora um retail park, desses que habitualmente as cidades constroem em zonas periféricas e industriais. Por cá, optou-se por permiti-lo na principal porta de entrada da cidade, entre as Alamedas Pêro da Covilhã e da Europa, zona de pouco declive, onde outras opções urbanísticas mais equilibradas podiam ser tomadas.

Mas quis-se então mais um centro comercial, destes onde respiramos ar condicionado nos corredores e tubo de escape nos estacionamentos subterrâneos. Para podermos ter mais grandes lojas, das mesmas marcas multinacionais que colonizaram tantas cidades deste país, tornando-as cada vez mais indistintas e insípidas.

O nome, City Center, já diz muito. Em inglês, como é da moda, porque a língua portuguesa não orgulha e vendemos barata a identidade. E pensando bem, até fará mais sentido uma língua internacional, para sabermos que quando ali entrarmos estaremos no estrangeiro. Compraremos artigos quase sempre importados, daremos o nosso dinheiro a empresas sediadas bem longe e que não deixarão no país os impostos sobre os seus lucros.

Para aliviar ainda mais a carga fiscal e privilegiar este tipo de comércio, o município covilhanense entendeu por bem isentar o consórcio construtor do pagamento do IMT que ficaria no concelho, justificando a benesse com as centenas de empregos que surgirão. Mas será sábio olhar apenas para os postos de trabalho criados, habitualmente de baixa remuneração, sem olhar para o outro lado da moeda, os empregos que ajudará a extinguir? Quanto mais as pessoas comprarem nas grandes superfícies, atraídas tantas vezes pelas pseudo-promoções de artigos inflacionados, menos irão consumir no comércio local, que acabará por fechar. E o pequeno comércio é o que melhor permite vender os produtos regionais, sendo o canal de escoamento de muitos pequenos produtores, podendo suportar assim melhor uma rede económica de proximidade e os empregos a ela associados.

Curiosamente, na mesma edição do Notícias da Covilhã onde há umas semanas era anunciada a nova borla fiscal municipal, páginas depois era reportada a queixa dos agricultores do distrito, de não conseguirem vender os seus produtos nos hipermercados. Estes são acusados de esmagarem os preços aos produtores locais e darem preferência aos produtos importados, para assim manterem as gigantescas margens de lucro da grande distribuição.

Pois é, isto anda tudo ligado. Ao promover Mercadonas (como se não chegassem já Continente, Lidl, Aldi, Pingo Doce, Intermarché, …), menos mercados verdadeiros teremos, desses onde a fruta cheira mesmo a fruta. Ao optarmos por FNACs, continuaremos sem ter pequenas livrarias independentes. Se escolhermos ter um “City Center” cá em baixo, ainda menos vida de rua e comércio humanizado e de proximidade teremos no centro da cidade.

É pena que a opção de desenvolvimento da Covilhã venha sendo esta, que tão pouco retorno traz à região. Faz lembrar a frase de um responsável municipal que, há uns anos, se orgulhava de sermos a primeira cidade do interior do país a ter dois Mc Donald´s. O que ganhámos, em termos de saúde física, de saúde cívica, com a presença de dois franchisings da cadeia americana de fast-food e da sua comida processada?

Enfim, se as escolhas políticas são estas, restam-nos sempre as nossas escolhas individuais. Tenhamos consciência que os locais onde escolhemos ir e gastar o nosso dinheiro alimentam o estilo de vida que queremos promover e a independência da vida futura que teremos.

Por mim, quando apetecer esse tipo de comida, preferirei subir os becos e ruas íngremes da cidade autêntica, para ir apoiar uma hamburgueria beirã. Enquanto ainda existir.

 

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