Pedro Castaño
Um oceano de marés, de povos, de revoluções e de memórias.
Um oceano que Fausto soube transformar em canção. Que belas canções!
O oceano é um ponto de partida. Um ponto de chegada.
O oceano é um apelo à aventura.
Aventuras que não eliminam a ansiedade de um povo que se reinventou nos novos horizontes muito para além da sua margem. Fausto reinventou a epopeia dos descobrimentos; mostrou o brilho e a sombra, a glória e a ferida, o orgulho e o desencanto. Não há oceano que não traga memória, não há viagem que não nos devolva a nós próprios.
A beleza com que nos canta está escrita, inscrita, nas suas canções onde ecoam as partidas dos soldados para as guerras coloniais, o silêncio das famílias, a dor de um país em rutura. Onde está o retrato de uma nação suspensa, sem chão, sem porto, à procura de futuro. As suas canções são arquivo vivo; nelas cabem derrotas, esperanças e recomeços.
Cabe um oceano!
Não há história sem povos. Fausto deu-lhes voz: os que partiram e os que ficaram, os que se cruzaram nas rotas do Atlântico. Denuncia o racismo e a opressão. Lembra que a música também é fronteira e ponte. Retrata a vida dura dos trabalhadores, a dignidade teimosa dos quotidianos.
E cria Rosalinda, a figura de uma mulher que se torna símbolo maior da resistência… às alterações climáticas, antes do tempo dessa consciência. Fez dela uma consciência poética ao recordar-nos que “a terra não é nossa, nós é que somos dela”. Canta o fogo que destrói, mas também a seiva que renova.
A revolução também se canta. Fausto partilhou o palco com Zeca Afonso, Adriano, José Mário Branco, Sérgio Godinho. Juntos ergueram Abril em forma de música, cada um com a sua bússola, todos na mesma rota de liberdade. Fausto construiu a sua própria cartografia: um atlas sonoro onde Portugal é mar e terra, império e povo, cicatriz e esperança.
O mar, nas suas canções, não é apenas metáfora — é personagem vivo, força vital e aviso contra o esquecimento.
O Mar
Fausto é um dos mais sofisticados e audazes compositores portugueses. A sua música funde tradição e modernidade, poesia e história, denúncia e celebração. Mais do que compositor, é narrador de epopeias, arquiteto sonoro de uma identidade que não cabe num só tempo.
Nós tivemos a sorte de o ouvir contar-nos em canções. As gerações vindouras terão a sorte de o ouvir contar o mundo.
Obrigado Fausto.