Poder local: tão perto e tão longe

A opinião de Graça Rojão.

Com as eleições autárquicas à porta, é ainda mais oportuno debater políticas locais que possam contribuir positivamente para o bem-estar das pessoas e para um quotidiano mais feliz. A questão que aqui gostaria de levantar diz respeito à participação cívica, que, aliás, está muito presente nos discursos públicos, mas bastante ausente nas práticas.

Em cada território cruzam-se interesses distintos, que devem ser discutidos e negociados. Basta pensarmos que a idade das pessoas as pode levar a valorizar determinados aspectos em detrimento de outros. No espaço público, as crianças que brincam na rua podem sonhar com parques infantis — talvez até mais ousados —, enquanto pessoas idosas podem desejar bancos à sombra, onde corra a brisa do fim da tarde. Tal como a idade, há outras categorias que se entrecruzam e influenciam os anseios das pessoas, como, por exemplo, o que as leva a privilegiar os transportes públicos ou, pelo contrário, a favorecer o automóvel privado.

Se os anseios e as necessidades das pessoas são distintos, é fundamental que possam participar democrática e directamente nos processos decisórios. Há, portanto, que contrariar as lógicas que tendem a promover pessoas providenciais, como as campanhas hiperpersonalizadas frequentemente fazem, exacerbando as características individuais. Se um candidato ou uma candidata se sentir capaz de interpretar a vontade de todas as pessoas, só porque foi quem teve mais votos, na realidade poderá apenas ser alguém muito permeável a alguns interesses — quantas vezes bem poderosos — raramente centrados na promoção do bem comum.

Entre as medidas fundamentais da democracia local está a necessidade de promoção de espaços de participação democrática. Não se trata apenas de votar de quatro em quatro anos, ou daquelas iniciativas, tantas vezes burocratizadas e feitas para cumprir calendário, como as (ditas) consultas públicas, com baixíssimas taxas de participação. Há que perguntar por que razão as pessoas não participam e escapar ao argumento fácil e desresponsabilizador — aliás, bem difundido — de que são as próprias pessoas que não querem participar. Há planos directores municipais, planos para as alterações climáticas, para a habitação, para a igualdade, etc., mas onde está a participação? Defender que se trata apenas soluções “técnicas” e não o resultado de escolhas políticas é uma armadilha que ajuda a deixar de fora a pluralidade de vozes — que, aliás, até podem ser incómodas quando as decisões já estão tomadas.

O território é um espaço público fundamental para a acção colectiva e, hoje, a complexidade societal exige novos modelos de gestão pública. As autarquias podem ser um pilar essencial da democracia participativa e estimular que as pessoas se sintam parte da sociedade, sendo reconhecidas nos seus anseios e preocupações. Temos de nos perguntar que espaços de participação real existem e que processos de compromisso democrático são, de facto, estimulados.

Mais do que lamentos sobre o crescimento da extrema-direita e da intolerância, há que combater o esvaziamento dos espaços cívicos e democráticos, e continuar a defender valores que, até há pouco tempo, considerávamos estabilizados.

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