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Porque é que a praxe não funciona e não faz falta?

Guilherme Gigante

A praxe académica é um tema que, todos os anos, suscita debates veementes, especialmente entre os que veem nela uma tradição imprescindível da vida universitária e os que questionam verdadeiramente os seus benefícios. Como em muitas tradições, é fácil manter práticas simplesmente porque “sempre foi assim”.

No entanto, é importante pararmos para refletir sobre os impactos concretos que a praxe pode ter nos estudantes e no ambiente universitário. Tradicionalmente, a praxe académica é vista como uma forma de integração dos “caloiros” na vida universitária, através de atividades organizadas pelos alunos mais velhos, os “superiores”. Na teoria, a praxe deveria facilitar a criação de laços, promover o espírito de grupo e ajudar na adaptação à nova fase. No entanto, e na prática, a praxe está muito longe deste ideal e é apenas uma versão mais disfarçada de bullying, supostamente validado pela concordância dos participantes.

Os veteranos são, por vezes, os estudantes com mais matrículas e menor aproveitamento académico. Em casos destes, o auge do seu ano letivo são as primeiras semanas, em que recebem atenção e praxam os alunos novos, sentindo-se poderosos e respeitados. Terminadas as praxes, regressam à sua insignificância.

Será esta a geração que queremos, pouco tempo depois, no mercado de trabalho e em centros de tomada de decisões?

Em muitos casos, esta experiência transforma-se num pretexto para a humilhação e abuso de poder, onde os caloiros são forçados a participar, com medo de serem socialmente excluídos ou alvo de represálias. Os estudos têm demonstrado que a praxe pode ter consequências psicológicas graves, incluindo ansiedade, depressão e uma diminuição da autoestima. Como se não bastasse, em vez de promover a inclusão, a praxe leva a um reforço de divisões e cria uma cultura de “nós contra eles” dentro dos grupos de praxe, mas também com aqueles que se declaram anti-praxe.

Posto isto, a universidade deve e tem de ser um espaço onde todos se sintam bem-vindos e respeitados desde o início. A praxe, na sua forma mais negativa, compromete este ideal e não contribui para a construção de um ambiente universitário saudável e inclusivo. Uma integração positiva deve ser baseada no respeito mútuo, na liberdade de escolha e na promoção do espírito crítico.

É tempo de repensarmos esta tradição e de questionarmos se queremos perpetuar práticas que podem causar mais mal do que bem. A tradição, por si só, não deve ser uma justificação para manter práticas que não contribuem para o bem-estar geral. Quando a integração é alcançada à custa da dignidade de alguns, temos que questionar seriamente se este é um preço justo a pagar.

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