Carlos Xistra cresceu a ver o Estádio Santos Pinto como uma segunda casa e foi um central pouco disciplinado. Estava longe de imaginar que viria a ser o primeiro e único árbitro do distrito a chegar ao principal escalão, há 20 anos, e a internacional. Agora volta a fazer história, ao ser o primeiro árbitro português a prolongar a carreira além dos 45 anos, naquela que julga ser a sua última temporada nos relvados com o apito onde tem gravados os nomes dos filhos
Notícias da Covilhã – As pessoas sabem quem é o Carlos Xistra. E quem é o Miguel, como o tratam os mais próximos?
Carlos Xistra – Tento ser o mais genuíno possível, não esquecendo as minhas raízes. Sou disponível na área, tento ser eu próprio e creio que se há alguma coisa que me reconhecem é a sinceridade, a honestidade e ser trabalhador na minha profissão.
Mas existe uma diferença entre ambos?
Existe para quem conhece o Miguel. Não poucas vezes as pessoas, depois de interagirem por pouco tempo que seja comigo, dizem-me que não sabiam que eu sou assim. Acho que isso acontece com os árbitros em geral. Começam a perceber que somos pessoas normais, que temos família, que temos filhos, que temos amigos, mas adoptamos uma postura em campo e fora dele não nos podemos expor.
Cresceu à beira do Estádio Santos Pinto. Sentia que a sua vida ia estar ligada ao futebol?
Vivi aí até aos 26 anos. Eu pensei que iria ser jogador. Ainda que pudesse não ser profissional, nem que fosse nos distritais, porque eu não me lembro de viver sem ser no Santos Pinto. Desde que me conheço, eu estava todos os dias no Santos Pinto. O meu avô paterno era porteiro no estádio, o meu avô materno jogou na primeira divisão no Sporting da Covilhã e o meu pai foi 22 anos dirigente.
Que tipo de jogador era em campo, era dos que dava trabalho aos árbitros?
Dava. Era defesa central. Fui expulso em todos os escalões. Não era disciplinado e se calhar isso também serviu para agora perceber algumas coisas.
Como é que vai parar à arbitragem?
Até terminar a época de juniores nunca imaginei ser árbitro. Há duas pessoas responsáveis: uma é o Francisco Fernandes, que foi árbitro da terceira categoria e me incentivou a mim e a outros a tirar o curso de árbitros, e o meu pai, quando o Covilhã me dispensa para o Aldeia do Souto, clube-satélite, também me motivou a tirar o curso. As coisas começaram a correr bem e foi até hoje. Já lá vão 27 anos.
Quais são as particularidades de arbitrar os escalões não profissionais?
Não é mesma coisa. Quanto maior é o escalão em que nós arbitramos, mais fácil é, porque os jogadores são mais evoluídos, sabem jogar à bola, sabem que fazendo faltas são punidos e é mais fácil apitar. Obviamente que a responsabilidade e o mediatismo são outros. É mais fácil apitar a Liga dos Campeões do que o Campeonato de Portugal. Quanto maior é o nível, mais fácil se torna para nós, embora a responsabilidade aumente. Nas camadas amadoras torna-se mais difícil, também a nível de segurança. Tive uma situação em que ia sendo agredido por dar um cartão amarelo a um jogador, que vinha na minha direcção para me agredir, mas os colegas agarraram-no e não se concretizou. Isto acabou tudo numa esplanada e eu a desculpar o jogador.
Como explica a rápida ascensão à primeira categoria, num distrito onde ninguém o tinha conseguido?
Beneficiei um bocadinho da idade. Na altura a arbitragem carecia de uma renovação e eu acho que tive a sorte de apanhar essa onda. O Conselho de Arbitragem queria renovar o quadro da primeira e da segunda categorias e apareci eu e outros jovens. A minha condição física era diferente dos colegas mais velhos, comecei a sobressair, tinha o conhecimento do jogo, tinha o apoio do meu pai em termos das leis de jogo, dos regulamentos, comecei-me a entusiasmar, as coisas começaram a correr bem, comecei a motivar-me, a querer cada vez mais e apareceram três ou quatro árbitros na primeira categoria com uma idade que não era normal.
(Entrevista completa, de três páginas, na edição papel desta semana do NC).