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Quando a casa não é um lugar seguro

Urge desmontar mitos, nas escolas, nas colectividades, nas autarquias, na comunicação social e em todos os lugares

Ana Santos, Ana Raquel Bernardino, Diana Silva e Graça Rojão (Coolabora)

Subsiste na sociedade portuguesa, aliás de forma amplamente difundida, a ideia de que a violência nas relações de intimidade é um fenómeno em vias de extinção, o que infelizmente, não corresponde à verdade. A violência doméstica e a violência contra as mulheres configura um atentado aos seus direitos humanos e é por isso fundamental trazer o assunto para o debate público.

Em Novembro assinala-se em todo o mundo o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Nos espaços de atendimento da CooLabora, quase 90% das vítimas adultas são do sexo feminino, um valor mais alto que a média nacional que no ano passado era de 72,4%.

As vítimas são duplamente agredidas quando a opinião pública considera, explícita ou implicitamente, que também são culpadas e procura nelas alguma característica pessoal, uma fragilidade ou um “defeito” que as tenha empurrado para essa condição, aliviando-se assim o fardo do agressor. A “vítima perfeita”, segundo o estereótipo, para ser credível, tem o perfil de mulher frágil e de classe social desfavorecida, o que contribui para culpabilizar todas as vítimas que não se encaixam nesse estereótipo. É difícil reconhecer que este tipo de violência é estrutural e pode atingir qualquer mulher.

Ouvimos muitas vezes questionar sobre a razão pele qual as vítimas não saem de casa e continuam presas a relações violentas. Há muitos factores, sobressaindo o facto de a separação não significar o termo da violência. Na Cova da Beira, em cerca de 43% das situações acompanhadas pela CooLabora, a relação já terminou e que é precisamente quando as mulheres põem termo à relação que o perigo se avoluma. Há também muitas outras razões: as crianças que ligam ambos, a casa comum, a precariedade económica, mas também factores mais subjectivos, como a auto-estima das vítimas, geralmente muito frágil, o peso das relações familiares e a esperança na mudança. Esta amarra as mulheres ao ciclo de violência-reconciliação e é com alguma surpresa que descobrem como os episódios se sucedem, numa roda infernal, que vai da lua-de-mel ao adensamento da tensão e a explosões violentas, para voltarem as flores, os pedidos de desculpa e as juras de que não voltará a acontecer. Um ciclo que não tem fim e no qual a violência se vai avolumando.

Em casa ou na rua, a culpa é quase sempre delas: vestiam roupa desadequada, beberam demasiado, não deviam estar na rua àquela hora, etc.

Prevenir e combater a violência contra as mulheres exige que saibamos reconhecer o peso da cultura patriarcal que marca a nossa sociedade de forma indelével. Os preconceitos que carregamos contaminam a nossa visão. É necessário continuar a discutir este tema nas escolas, com rapazes e raparigas, mas também na comunidade, nos locais de trabalho ou nas nossas casas.

Há cerca de dois anos a CooLabora iniciou uma resposta especializada para apoiar crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica. Entre Belmonte, Covilhã e Fundão, foram já acompanhadas cerca de 100 crianças e adolescentes. É no lar, no doce lar, que a maioria destes actos de terrorismo grassam: 84% das pessoas agressoras são os/as progenitores/as.

São traumas que ficaram pelo que viram ou pelo que sofreram na pele. São também, demasiadas vezes, abusos sexuais, geralmente perpetrados por quem as deveria proteger. Afirmações como “tenho vontade de morrer”, “eu fiquei preso no carro a chorar muito com o meu irmão”, “fiquei tão nervosa que deixei de conseguir respirar” revelam situações que precisam de ser resolvidas. Há crianças isoladas, diagnosticadas com perturbações de ansiedade e humor, jovens incapazes de manter relacionamentos afetivos funcionais. Ao invés do que gostaríamos de imaginar, as crianças mais pequenas não estão mais protegidas: 11% dos casos que a CooLabora acompanha envolvem crianças entre os 4 e os 6 anos de idade e 26% entre 7 e 10 anos.

Urge desmontar mitos, nas escolas, nas colectividades, nas autarquias, na comunicação social e em todos os lugares. É necessário enfrentar os estereótipos que alimentam e legitimam a violência nas relações de intimidade, fruto das crenças e da cultura patriarcal que habitamos. Temos de os reconhecer, de os visibilizar e de os desmontar pois precisamos de atenuar a violência de quem a vive e, em simultâneo, de promover uma transformação social profunda, no sentido de uma vida sem violência.

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