Andavam de terra em terra. De quinta em quinta. Vendiam azeite, alguns produtos alimentares e petróleo. Para os candeeiros e lanternas que existiam. A pé, com um burro, cavalo ou carroça, o velho “petrolino” era presença indispensável à porta de casa. No dia marcado. À hora agendada. Para se “lhe tirar” alguma coisa. Passados mais de 60 anos desde que o avô Amândio percorria as ruas de Belmonte, perguntando ao povo o que precisava em casa, Bruno, o neto, ainda o faz. Sem burro. Sem carroça. Com uma carrinha. E apenas ao sábado. Hoje, face à pandemia da covid-19, um serviço que muitos consideram “indispensável”.
É sábado. São cerca das 13 horas. Bruno, que é auxiliar de farmácia na vila durante a semana, depois de, no dia anterior, ter carregado, à noite, a carrinha, faz-se à estrada. O primeiro ponto de paragem é o Santo Antão, ainda na vila. Apesar da proximidade ao centro da terra, há clientes fiéis. Que continuam a preferir o que Bruno Mendes lhes traz. É o caso de Maria Alcina Martins, 64 anos, que assegura que sempre foi cliente. “Eu já sou do tempo do cavalinho branco” lembra, recordando os tempos quem que o avô de Bruno se fazia acompanhar de um animal para levar encomendas às pessoas. “Comecei a tirar mercearia na Quinta das Pereiras, quando lá morava. Casei, continuei a tirar ao senhor António (pai de Bruno) e depois, ao filho. Sempre me deu muito jeito” garante. Maria acredita que hoje há mais gente a pensar assim. “Ai não, que não há. Com o vírus? Dá-me jeito a mim, ainda mais que antes, e a muita gente.” A cliente diz que hoje “evito sair” o mais que pode, que compra praticamente todos os produtos ao vendedor ambulante, pois “acho que todos estamos com receio. Eu tenho receio” garante.
Vendas foram “uma loucura” na semana passada
Bruno já tinha “no sangue” a venda ambulante. O avô fez disso vida, o pai manteve o negócio mesmo tendo aberto, no centro da vila, um pequeno mini-mercado, que geria em paralelo com a esposa. Ao longo de vários anos, ela ficava na loja, ele saía na carrinha, várias vezes por semana, para percorrer diversas quintas e lugares mais isolados, levando todo o tipo de mercearia. Porém, António acabou por ter, um dia, um problema cardíaco, que o internou num hospital durante algum tempo. Para não deixar os clientes sem mercearia, aos 18 anos, Bruno pegou na carinha. Até hoje. Já tem 44 e todos os sábados lá vai ele levar desde legumes a detergentes, óleo, azeite, conservas, arroz ou massa.
“Já lá vão quase 30 anos que faço isto” recorda Bruno Mendes, que viu o interesse pelos seus produtos aumentar nas últimas semanas, devido à covid-19. “A semana passada foi uma loucura. Nunca vendi tanto. Nem no tempo dos emigrantes, nem no Natal” garante o comerciante.
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