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Quando uma tapeçaria conta uma história

António Pinto Pires

Professor

Como certamente será do conhecimento de algum público da nossa urbe, para além de diversas peças disseminadas, muitas delas colocadas parcelarmente no denominado Museu da Cidade (MC), com o qual não concordo de todo, há todo um espólio pétreo, ex-acervo da Associação Cava Juliana e ainda muito mais a aguardar o devido destaque.  Desta feita refiro-me à Galeria António Lopes em homenagem ao professor lisboeta que por 30 anos se sediou nesta cidade, pela qual se apaixonou, constituiu família e exerceu magistério na cátedra de desenho.

E porquê falar de uma tapeçaria?

No devido contexto do Estado Novo, período em que se insere, pois foi a obra terminada em 1959, estabelece a mesma um contraponto entre uma Covilhã antes e pós anos 50 do século XX. Podendo afirmar-se estar em presença de um documento vivo, pela realidade evidenciada duma cidade em mutação sob a égide não apenas dos lanifícios, mas das inovações que foram sendo introduzidas em muito do espaço urbano, em suma modernização.

Como um dos impulsionadores da mesma, para além de todo o legado pessoal do professor, importa sobretudo olhar para a tapeçaria como um espaço de interpretação, a saber. AL explana a seu modo simbologia relacionada com a heráldica da cidade, desde o foral concedido por Sancho I, ao foral manuelino não sem colocar de lado a simbologia da carranca, supostamente representando o conde Julião, mas sem as devidas certezas.

Seguidamente temos aquilo que se pode denominar de monumentalidade, muito em jeito de contrapontos começando pelo edifício filipino, já demolido, evidenciando os atuais paços do concelho tão do agrado de AL, o qual se inseriu na corrente de opinião pública da ocasião que se manifestou contra o anteriormente existente, a existir no presente consistiria numa preciosidade arquitectónica. De salientar os pormenores tais como o arco da cadeia e a ligação da rua 1º de Dezembro à praça do município.

Outros ícones surgem devidamente representados tais como a fonte das três bicas ainda “in situ”, no largo do Pelourinho, o coreto, a capela de S. Martinho, assim como as torres das principais igrejas da cidade, S. Tiago, S. Francisco e Sª Maria.

A construção do novo mercado, “a praça”, surge bem evidenciada e comparada com a forma de se comerciar ao tempo. As vendas faziam-se por locais específicos e determinados. A praça do feijão, dos ovos, do peixe, da carne, os talhos, o homem dos cabritos, etc.

Porém, uma das essências desta tapeçaria, e como figuras centrais, são as suas gentes na sua diversidade fabril. O acondicionamento têxtil. Exceptuando os fabricantes, toda a malha social ali surge representada, desde os técnicos das devidas especialidades às mulheres que habitualmente era quem transportava os cortes de fazenda aos homens dos pentes de tear. As pessoas que transportavam os almoços, uma prática muito comum na cidade, onde não podiam faltar as fábricas, as ribeiras e a roda hidráulica.

A grande evidência que é dada à escola industrial Campos de Melo. Alunos e professores surgem bem destacados. Alguns deles estrangeiros, nomeadamente catalães, província de Espanha com a qual esta cidade mantinha relações privilegiadas, chegando até a recrutar alguns técnicos. Podemos falar do mestre Santos Luís, o professor Galcerán e o próprio A. Lopes. Aliás, todas as personagens representadas são reais e não imaginadas. A parte social surge bem destacada com a representação dos bairros operários, nomeadamente o dos Penedos Altos e outros.

O tear de pau e o mecânico, as fiandeiras, as chaminés e algo do seu processo evolutivo. Tal como a introdução da eletricidade.  E uma particularidade, o carro que foi construído na Covilhã, mas que nunca chegou a circular por falta de certificação.

A questão etnográfica foi um dos aspetos que muito sensibilizou AL e a vila do Paul, foi uma das localidades sobre a qual se debruçou fazendo-a representar pelas suas adufeiras e as tradicionais varandas em madeira.

A Serra da Estrela e a neve, outra das suas paixões, ou não tenha sido considerado o “mestre da altitudes”, não podiam falhar nesta obra prima.

 

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