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Relações Fortes

"Há coisas que nunca mudam”. Sobretudo, acrescento, se colocarmos genuinidade, autenticidade nas nossas relações

Parece que a estou a ouvir. Gassenhauer de Carl Orff. O compositor alemão tão conhecido por Carmina Burana, é o autor da banda sonora de um anúncio de uma marca de bebida, badalada em Portugal nos anos 90. O tema, e slogan da campanha internacional, colocava a tónica nas relações fortes, e o objecto da mensagem apontava a que nada é mais importante na vida do que isso mesmo. Relações fortes.

Por estes dias, uma grande amiga lembrou-me que tem há muito tempo em sua casa no norte de Portugal, uma garrafa de J&B para abrir quando eu a for visitar. Já foi comprada este século, sensivelmente na altura em que festejamos juntos pela última vez a nossa existência, a gratidão pela vida.Essa era uma das minhas marcas favoritas, e a existência desta garrafa por abrir é uma metáfora ao que importa. A minha amiga, uma irmã, construiu comigo um edifício sustentável à prova de tudo, assente precisamente em pilares e fundações indestrutíveis, resistentes ao tempo, facto que lembramos por estes dias quando lhe telefonei pelo seu aniversário, e que atesta bem como eu sei, ela sabe, que mesmo não estando há anos, estamos lá, a amizade está lá, continua intocável, tal como a garrafa por abrir. Eu sei, ela sabe, que um destes dias a vamos desarrolhar, mesmo que seja apenas para saborear um trago. Estará até bem mais doce, esta espirituosa bebida, pelo peso da idade. Envelhecida em barricas de silêncio, aveludada em sinais de carinho. E como valorizamos esta chamada telefónica, em que nos ouvimos. Ela sabe que era eu que ela ouvia, eu sei que era ela que eu ouvia. Tal e qual, as mesmas vozes de sempre, de há bem mais de trinta anos. Do tempo em que a rede social era a mesa do bar, após um dia de trabalho realizado no local de sempre, o do trabalho, e a inteligência, a que trazíamos connosco. Naturalmente. Era o que era. E assim se mantém, apesar dos híbridos, das redes virtuais, das inteligências artificiais. É o que é. Nada mais. Confesso que quando estávamos nestas lembraduras, senti o gosto do whisky que há muito não provo.

Devo escrever que a última vez que levei à boca um gole de whisky foi precisamente para saborear outras amizades, também elas tão fortes e objectivamente mais próximas, e lamentavelmente tão pouco regadas. E como tão bem sugeria o anúncio a que aludi no início desta crónica, “há coisas que nunca mudam”. Sobretudo, acrescento, se colocarmos genuinidade, autenticidade nas nossas relações. E já agora, ouçam Orff, ou mesmo algo mais simples, mas oiçam música, e lembrem-se do que importa…

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