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Repensar a forma de viver

Assunção Vaz Patto

Acabei de ver o telejornal. Tento ver o telejornal só uma vez por dia, porque aquele par de senhoras (ministra e directora geral da saúde) a despejar, quase indiferentemente, números, horroriza-me. Os números de mortos e de infectados a subir todos os dias assustam-me, só me fazem pensar que números são fáceis de referir mas cada um desses números é uma pessoa, uma vida, uma história que se perde para sempre. No fim de todos os números comoveu-me a tentativa do jornalista a dizer que não estamos sozinhos. Ninguém está sozinho, e que vamos vencer isto juntos. O esforço que pôs no discurso, numa pessoa habitualmente até contida, foi impressionante.

Costuma ser em tempos de guerra que se vê de que são feitas as pessoas. Temos de resistir e de lutar contra a nossa necessidade de normalidade. Independentemente do que é, temos de fazer frente a este bicho. Temos de ser activos na nossa luta. Quem fica em casa a recorrer ao teletrabalho, que o faça bem. Reler livros antigos ou avançar para novos, escrever notas e pensamentos, estar bem-disposto e ver séries divertidas – não serve de nada pensar como vamos pagar as contas, e como vai ficar tudo – já se percebeu que é viver um dia de cada vez. Telefonar aos que estão mais sozinhos. Fazer comidas deliciosas, jogar com os miúdos. Fazer ginástica – é preciso uma hora por dia para manter o sistema imunitário a funcionar bem e dar cabo do vírus. Fazer grandes limpezas – e não deixar o vírus entrar em casa e ganhar. Quem vai trabalhar, que faça um trabalho bem feito. Quer na rua, quer em casa, todos temos medo. Todos podemos ser infectados ou infectar. Protejam-se. Lavem as mãos muitas vezes. Porque não ganhamos isto sozinhos, ganhamos isto em grupo. E temos de ter confiança na entidade patronal do Céu (para quem crê) ou nas pessoas (para quem não crê). E em nós próprios.

E é em grupo que vamos ajudar as equipas de saúde que não têm material suficiente nos hospitais, as empresas que não sabem como manter-se perante um Governo que não percebe que, sem empresas não há emprego (e faço um apelo para também irem aos pequenos comércios, e não só às grandes superfícies, sempre que possível), os polícias, a GNR e os bombeiros, os lares e as pessoas que trabalham lá, que também precisam de material de protecção. E começarmos a pensar como vamos ajudar a levantar este nosso País, que não é um super-luxo do Norte da Europa, mas é o nosso País, que nos define e nos enquadra como pessoas. Quando isto tudo passar.

A visão que temos no Sul da Europa, a nossa cultura e a nossa maneira de estar é gregária e humanista e baseia-se em valores judaico-cristãos, ao contrário de outros países, baixos em nome, valores e costumes: os velhos importam-nos porque são a nossa história, fonte de conhecimento e saber acumulados, são o que nós vamos ser, são quem nos ajudou a chegar aqui. A família é o nosso centro – e em momentos de perigo, voltamos a ela. Os amigos estão lá – os tais que, mesmo infectados nos trazem a sopa à porta. Não somos ilhas – não entendemos o mundo assim. Uma vida é uma vida e a perda de uma vida às mãos de um vírus dói-nos a todos. Ajudamos os mais fracos, preocupamo-nos com eles, independentemente do que nos diz o Governo ou a DGS. Isto está bem expresso também em desconhecidos e fábricas que se re-orientaram para produzir novos materiais de protecção, em agricultores e produtores de materiais e alimentos, em distribuidores que mantêm a circulação vital de alimentos, medicamentos, e produtos, em voluntários que se disponibilizam a ajudar os mais desprotegidos. A solidariedade, a generosidade que se tem sentido neste processo, é imensa, não é imposta, é genuína de nós todos. Foi preciso vir um vírus para percebermos isso de novo. Seria muito bom que isto nos ajudasse a repensar a nossa forma de viver, daqui para o futuro.

Não temos de nos tornar diferentes para fazermos parte da Europa. A Europa é que tem de se tornar mais como nós. E está na altura de percebermos isso.

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