Vinte anos depois da privatização do serviço, a Assembleia Municipal da Covilhã aprovou na sexta-feira, 31, o resgate da concessão da exploração e gestão do serviço de saneamento em alta do concelho, com 27 votos favoráveis, a abstenção das juntas de freguesia de Cortes do Meio e do Tortosendo e a ausência das bancadas do PSD, que se retirou no momento, do CDS, e do movimento Covilhã Tem Força, que não esteve representado na sessão.
Os elementos da União de Freguesias da Covilhã e Canhoso, Cantar-Galo e Vila do Carvalho, Peso e Vales do Rio, Barco e Coutada, Ferro e Peraboa também não votaram a proposta.
Na mesma sessão foi também deliberada a autorização para contrair um empréstimo de até 5,8 milhões de euros para financiar a operação.
O presidente do município, Vítor Pereira, argumentou que “esta é a única forma de os covilhanenses reduzirem a tarifa de saneamento, a mais alta do país” e afirmou que o parceiro privado “não deixou alternativa” a esta solução, porque andou a “tentar adiar o resgate”. “Lamentavelmente, tivemos de chegar aqui”, sublinhou o autarca.
A Águas da Serra (AdS) tem a concessão do saneamento na Covilhã desde 2005, um negócio feito por um período de 30 anos, por 70% do capital, com a possibilidade de resgate a partir dos 18 anos, cumpridos em abril de 2023.
As acusações da empresa, de que a operação é ilegal, que implica o pagamento de uma indemnização de 18 milhões de euros e que vai agir judicialmente levou o autarca a acusar o parceiro privado de que “está a faltar à verdade”.
“A Covilhã não vai sair a perder desta operação, que não é ilegal”, assegurou Vítor Pereira. “Não permitam que esta empresa nos continue a explorar. Ajudem-me a livrar-nos deste contrato ruinoso”, apelou o presidente da Câmara da Covilhã, na Assembleia Municipal.
Segundo o autarca, tendo em conta as contas feitas pelos consultores, a operação vai ter um custo de 5,8 milhões de euros e pode chegar aos 7,7 milhões de euros, com juros, enquanto o município teria de pagar ao parceiro privado 52 milhões de euros até ao final do contrato.
Vítor Pereira classificou as declarações públicas da AdS como “um chorrilho de mentiras, ameaças e tentativas de condicionamento do povo da Covilhã”, assim como uma “desajeitada tentativa de coação” sobre os eleitos.
Questionado sobre os custos de exploração, o presidente salientou que “o lucro que se obtém é mais do que suficiente para reduzir a tarifa e manter as obrigações”, enfatizando que o empréstimo para o efeito “não conta para o limite de endividamento” do município.
Vítor Pereira acusou ainda o parceiro privado de estar “a obstaculizar” uma auditoria e acusou os gestores de serem “especialistas em ameaças” e “incompetentes” na gestão da empresa.
Segundo o presidente, o contrato “é uma coisa escandalosa”, por o risco estar “quase todo do lado” da Câmara da Covilhã.
Um dos advogados do município, José Correia Fernandes, sublinhou que a figura do resgate está contratualmente prevista e “diz em que condições pode ser feito”. Em resposta a múltiplos pedidos de esclarecimento feitos pelo PSD, e à observação de que é preciso fazer um ‘test drive’ quando se compra um carro, Nuno Correia Fernandes, outro consultor jurídico, frisou que o município “não está a comprar o carro sem o conhecer”.
“É um carro que nos dá uma rentabilidade significativa. Tem um valor efetivo de 19 milhões de euros”, acrescentou o advogado, ressalvando que a autarquia “está a comprar todos os proveitos”.
O PSD ausentou-se no momento da votação, por entender não ter “informação essencial” para poder votar de forma consciente, o CDS saiu da sala a meio da manhã, por não ter em mãos, apesar de solicitada, a deliberação final da decisão da Câmara da Covilhã, e o movimento Covilhã Tem Força não compareceu na sessão.
Afonso Gomes, do PS, salientou que a operação “vai poupar milhões aos covilhanenses” e Pedro Bernardo, da mesma bancada, acusou o parceiro privado de “gestão danosa” e censurou a AdS pela “tentativa de condicionamento da ação política”.
“Os bens públicos essenciais à vida e ao bem-estar das populações devem ser administrados por quem visa a eficiência do serviço público e não o lucro, com a aplicação de tarifas obscenas”, fundamentou Vítor Reis Silva, do PCP.
Lembrando que o partido sempre foi contra a privatização, considerou que “o saneamento e tratamento de águas residuais é essencial à higiene pública e à proteção ambiental” e que “esses serviços devem ser prestados por entidades públicas, que asseguram a universalidade e a equidade no acesso a um bem público”, criticando “negociatas ruinosas para a população e a apropriação de serviços públicos para fins gananciosos”, que se traduziram num “aumento substancial da fatura da água”.
O líder da bancada social-democrata, Hugo Lopes, criticou também o que considerou serem “pressões públicas que estão a ser feitas sobre os eleitos locais” pela empresa e disse que a reversão da concessão é legítima e que esta pode ser a melhor solução para reduzir o valor da fatura da água, mas frisou que, com a informação disponível no momento”, o PSD não ia participar na votação, recusando “legitimar um processo politicamente instrumentalizado e juridicamente duvidoso”.
O PSD começou a sessão por apresentar um requerimento a pedir a alteração da ordem de trabalhos, para que fosse feita a apreciação do assunto e a votação numa outra ocasião, para permitir esclarecimentos, a disponibilização da documentação necessária, como um parecer jurídico formal e uma auditoria independente, para garantir transparência no processo e “uma decisão informada e em consciência”.
O CDS retirou-se antes, por entender que “não existe deliberação final da decisão da câmara” e, por isso, “falta um elemento essencial para [a proposta] ser apreciada” em Assembleia Municipal, o que configura uma “ilicitude” que pode originar a “ilegalidade das deliberações da assembleia”.
Depois de instado nesse sentido, Vítor Pereira adiantou que vai ratificar posteriormente em sessão camarária a decisão. O autarca acrescentou que o que foi votado em outubro “não era uma mera intenção, era uma deliberação para resgatar”.
AdS alega ilegalidades
Dois dias antes da votação a concessionária, a Águas da Serra (AdS), num comunicado, voltou a afirmar que a operação é ilegal, apontou o dedo ao presidente do município, reiterou a intenção de agir judicialmente, nomeadamente responsabilizando civilmente os “titulares dos órgãos autárquicos”.
A AdS considerou a proposta aprovada pela Câmara da Covilhã em 18 de outubro, de resgate da concessão da exploração e gestão do serviço de saneamento em alta do concelho, teria de voltar a ser discutida no órgão, antes de ser remetida à Assembleia Municipal.
Por um lado, a empresa alude ao parecer negativo da entidade reguladora, conhecido em janeiro, referindo que os cálculos apresentados pelo município estão errados, “desrespeitam, em termos significativos, o previsto no contrato de concessão e subavaliam manifestamente o montante da responsabilidade”, referiu a AdS.
O presidente da Câmara tinha dito que o parecer da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) não é vinculativo. O autarca “insiste em desconsiderar o parecer da ERSAR e em praticar atos que são ilegais, com isto responsabilizando os titulares dos órgãos autárquicos e onerando os respetivos munícipes”, apontou a AdS, empresa na esfera da AGS, detida pela nipónica Marubeni.
A empresa acentuou, na mesma nota, que o que foi discutido em outubro na Câmara da Covilhã foi apenas uma proposta e que teria de ser sujeita a nova apreciação no órgão, argumentando que a decisão foi tomada com base num “estudo anterior”, quando existe um mais recente, de novembro, e que, portanto, parte de “pressupostos errados”.
O parceiro privado sempre esteve disponível para negociar com o município e apresentou propostas que permitiam uma otimização e redução da tarifa praticada no sistema de saneamento, a que o presidente “nunca respondeu”, assegurou a AdS, uma afirmação contrariada por Vítor Pereira, para quem os gestores estão com receio porque vão ficar “sem a galinha dos ovos de ouro”.
“Optou por conduzir um processo de resgate na base de pressupostos que não são verdadeiros, privando os munícipes de uma solução que poderia ser no seu melhor interesse”, acusou a empresa.
A empresa frisou que “nunca recebeu qualquer notificação do município da Covilhã a respeito de uma intenção de resgate antes de outubro de 2024” e não aceita como válida correspondência enviada por assessores, que “nunca foram mandatados para fazer qualquer comunicação de uma intenção de resgate em representação” da autarquia.
Na mesma nota, a AdS afirmou que o município “nem sequer tem capacidade técnica para assegurar, no imediato, a prestação dos serviços concessionados, o que resultaria num impacto particularmente negativo para o meio ambiente, os munícipes e o interesse público municipal”.
A empresa assegurou que vai “extrair todas as consequências legalmente previstas em relação à prática dos atos ilegais”.