A Associação da Irmandade de Santa Bebiana de Caria iniciou em outubro o processo de classificação a património imaterial da festa satírica em honra da padroeira associada às pessoas ébrias e ao vinho, que decorreu entre 1 e 3 de dezembro.
Com 79 anos de tradição, segundo a organização, e proibida durante o Estado Novo, a celebração foi tendo interrupções e foi retomada nas duas últimas décadas, organizada pela Irmandade, grupo de amigos da vila que este ano se constituiu formalmente como associação, explicou o presidente, Filipe Alves.
Graça Ribeiro, uma das responsáveis pela pesquisa e recolha de material, informa que o processo foi iniciado junto da Direção Geral do Património Cultural e se está na fase de o densificar com documentação.
A investigadora salienta tratar-se de “uma festa singular e irreverente”, uma tradição de algumas localidades do distrito de Castelo Branco, e acentuou a importância de preservar este património coletivo.
“A ideia da classificação surgiu como uma forma de salvaguarda e de divulgação da festa, mas também de preservação da história, para que passe para as gerações futuras, porque ela faz parte da herança cultural dos carienses”, enfatizou Graça Ribeiro.
O processo de entrega de todo o material pode demorar cerca de ano e meio e a investigadora prevê que o período de avaliação possa ser “relativamente demorado”.
“O que esperamos é garantir a salvaguarda do que aqui se faz, que a festa melhore, que a classificação lhe traga visibilidade e que seja bom para a comunidade, porque esta é uma festa comunitária e intergeracional”, referiu Graça Ribeiro.
O presidente da Associação da irmandade, Filipe Alves, há 14 anos consecutivos na organização, tem a expectativa de que a classificação ajude “a mostrar ao país e ao mundo uma festa diferente a quem não a conhece”.
Santa Bebiana é a padroeira dos epiléticos e das dores de cabeça e Graça Ribeiro calcula que tenha sido feita a associação ao consumo de álcool por algumas das reações serem semelhantes às de quem bebe em excesso.
No dia que lhe dá nome, em 2 de dezembro, dois manequins, antigamente bonecos feitos de palha, fazem de Santa Bebiana e de São Martinho, os padroeiros das mulheres e dos homens bêbedos, percorrem em cima de andores, em procissão, as ruas de Caria, e alguém que faz de padre reza o sermão e outras orações alusivas ao consumo de vinho.
“Ninguém tem uma razão de ser certa para a Santa Bebiana”, frisou a investigadora, que mencionou serem aventadas várias possibilidades. Uma delas a transumância dos pastores, que no caminho iam parando nas tabernas e adegas para beber.
No caso de Caria, Graça Ribeiro aponta o casamento com uma mulher da vila de um homem abastado de Tinalhas, onde também existe essa tradição, que terá levado empregados e replicaram a celebração, embora não existam certezas. Idanha-a-Nova, Louriçal do Campo, Paul, Peso e em outras freguesias do distrito há referências à Festa de Santa Bebiana, todas com caraterísticas diferentes.
Graça Ribeiro aludiu às detenções feitas pela GNR em 1947 quando a GNR tentou travar a festa pagã, que acabou por se realizar, para ser impedida pelo reforço policial no ano seguinte, mas acrescentou que na década de 1930 já se realizava.
A Irmandade congratula-se por a festa ter “resistido ao tempo, ao esquecimento e à reprovação popular”.