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Simular para salvar

Entubação, análises clínicas, compressões torácicas e a tentativa de salvar um doente. Tudo isto feito num manequim realista, que simula sinais vitais e fala com os futuros médicos que o usam para treinar. A simulação médica é cenário realista cada vez mais usado nas faculdades de medicina

São seis equipas que estão em competição, para ver quem vai representar Portugal na final internacional do SIMUniversity – uma competição europeia de simulação clínica. Vêm do Porto, de Lisboa, Coimbra e Algarve, em representação das suas universidades para a final nacional, que decorreu na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior (UBI), na sexta-feira, 12.

“Ser posto à prova é sempre bom. Há alguns nervos no início, mas assim que o cenário começa, é uma questão de nos concentrarmos e acho que correu tudo bem”, explica Duarte Brás, 28, estudante de medicina na Universidade do Algarve.

As equipas são compostas por quatro elementos, que são chamados a uma sala de emergência, com um doente crítico que precisam de salvar. Cada aluno tem a sua função, o líder de cada equipa toma decisões e os restantes estudantes certificam-se que dão informações necessárias sobre os procedimentos que estão a decorrer.  “Sendo uma competição e sendo necessário fazer um treino prévio, é uma coisa que nos dá ferramentas e técnicas para melhorar o nosso conhecimento clínico, para sermos também bons profissionais de saúde no futuro”, considera o jovem.

A atividade serviu para dar ‘o bichinho’ da emergência e dos cuidados intensivos a alguns alunos.   “Eu já era enfermeiro, já tinha tido contacto com o pré-hospitalar, com salas de emergência e sempre foi uma área que me despertava curiosidade. Ao longo do curso, vejo que é uma área que vou querer trabalhar”, conta Diogo Rama, 29, colega de equipa de Duarte.

O segredo, para os estudantes, é praticarem o máximo possível. “Acaba por ser automático. Quanto mais simular, mais próximo vou estar de fazer bem na vida real. A perfeição vem com a repetição e quanto mais expostos somos a situações de stress, melhor o conseguimos gerir através do foco nas tarefas que temos de desempenhar”, explicam os alunos algarvios.

O objetivo do exercício, é aproximar os aprendizes do cenário que acontece numa sala de emergência ‘a sério’. “Na vida real, não vai ser um boneco e não vai ser brincadeira, não podemos parar o cenário. Isto aproxima-nos do stress que vamos ter numa sala de urgências, mas nunca se compara, porque ali estão vidas de pessoas em jogo. O que nos pode é preparar a consolidar o raciocínio clínico e seguir os algoritmos que já são conhecidos, e comunicarmos claramente uns com os outros”, admite Diogo.

Do Norte, vem a equipa da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Filipe Pinto, 22 e o seu colega, Gustavo Mendes, da mesma idade, não desmentem o que sentiram na simulação: “Foi divertido estar ali, as condições deste simulador são diferentes daquelas a que estamos habituados, é mais imersivo, mais realista. Antes de entrarmos na sala, estivemos com óculos de realidade virtual, para explicar o cenário. Foi uma abordagem que nunca tínhamos feito e foi muito interessante” afirma Filipe.

“Este boneco tem maior feedback do próprio simulador, dependemos menos das informações que os formadores nos dão”, diz. “Sinais como auscultação do doente, a resposta das pupilas, estes sinais físicos, o boneco dá-nos logo esse feedback como se fosse real e é isso que o torna tão imersivo. Na nossa faculdade, essa informação é-nos dada verbalmente”, enumera Filipe Pinto.

Gustavo admite que esta área de urgência e emergência, sempre o fascinou. “Eu gosto muito desta parte da medicina. Estes exercícios acabam por ser uma coisa que me entusiasma mesmo muito. Desde novo que quero ser médico. Gosto da adrenalina da área, de tratar o problema do doente mais agudo, ter resultados na hora. Claro que tem uma grande responsabilidade acrescida, mas gosto de me focar no doente e não fazer ‘medicina industrial’”, afirma.

Filipe não esconde os nervos quando se fala de um cenário de emergência ‘na vida real’. A maior dificuldade? “Tocar pela primeira vez na pessoa e perceber que não é feita de silicone. Acho que vai ser um choque muito grande”, brinca o estudante, que considera que estes treinos o vão deixar “muito mais bem preparado do que se visse um doente real pela primeira vez”. “Temos muito a aprender com estes treinos de simulação. Esta componente prática é algo que nos fica quase como memória muscular e aprendemos de maneira muito diferente do que estar só sentados a ler um livro”, acrescenta o rapaz.

No final de cada exercício, as equipas são chamadas a reunir com o júri da competição, de modo a refletirem sobre as decisões que tomaram no simulador, o porquê de as terem feito, o que aprenderam e o que podem melhorar.  “A reflexão que fazemos no final, acaba por ser aquilo que levamos para a posteridade. É de extrema importância. Sem aquela integração do que é que fizemos bem e do que fizemos mal, não adianta estar a mexer no simulador. Nós não estaríamos aqui hoje como estamos, se não fossem estas sessões que tivemos até aqui”, explica Gustavo.

A ‘jogar em casa’ estão Joana Praia e Rodrigo Martins, ambos de 22 anos. Estudantes da UBI, já conhecem as salas e os professores.  “Houve muitos nervos à mistura, também pelo facto de a língua inglesa ser uma barreira. Mas tentámos treinar o melhor possível e tivemos uma preparação de alguns meses para esta competição”, conta Joana.

“Acho que é uma ótima oportunidade de educação médica. A simulação oferece uma chance de tentarmos salvar alguém que não é uma pessoa real. Conseguimos transpor as competências que aprendemos na faculdade para um futuro profissional em que, efetivamente, pode fazer a diferença”, explica Rodrigo, o líder da equipa.

Os alunos garantem que tiveram de “aprender bastantes coisas de abordagem ao doente clínico”, que em particular no 5.º ano, anda não tinham no currículo. “Não tínhamos muito contacto com a simulação também, com o próprio manequim e tudo o que envolve, então foi mesmo um treino do zero, no nosso caso”, afirma Joana Praia.  “Além de representar a UBI, estamos a representar o trabalho dos nossos tutores, que nos treinaram. Foram treinos exaustivos, mas é muito recompensador. Ao representar Portugal, podemos mostrar que, de facto, a qualidade da educação médica em Portugal é muito boa, e isso nota-se quando colegas nossos têm de ir para o estrangeiro. O feedback que recebem é que são muito bons profissionais”, relembra Rodrigo Martins.

“Aqui temos todo o espaço para errar primeiro, aprender e corrigir para quando chegarmos ao hospital”, elucida Joana, que dá um exemplo: “fazer uma auscultação pulmonar. Nós perguntamos e dizem-nos o que o doente tem. Aqui, é pôr mesmo na prática, sem qualquer ajuda. Temos de confiar nos nossos sentidos e no nosso trabalho de equipa, para cada pessoa ter a abordagem correta, porque senão, o caso já não vai funcionar a partir daí”, confessa a estudante.

“Os simuladores, por mais avançados que sejam, nunca vão simular o que é uma pessoa real”, opina Rodrigo. “Daí ser importante levarmos para a prática o que aprendemos e colaborar em equipa”, diz. “Auscultar um simulador pode ser parecido à realidade, mas a forma como um doente reage a uma situação de emergência, é diferente. Temos de mostrar empatia com a pessoa, enquanto estamos a tratá-la ao mesmo tempo e isso pode ser uma tarefa difícil”, explica o aluno.  “Em tudo na medicina, não é só tratar o doente, mas sim todo o contexto que o rodeia. Nós não tivemos uma família aqui, mas lidar com toda a abordagem psicossocial do doente é uma coisa que não conseguimos simular e é das partes mais importantes. A humanização do cuidado e a personalização do mesmo”, admite Joana.

A discussão e reflexão final é “das partes mais importantes”, de acordo com os ubianos. “É quando notamos erros que, ao fazer o trabalho em piloto automático, nem sequer reparamos. Também ajuda a percebermos as dificuldades de cada membro” elencam os alunos.

Esta é a segunda vez que o grupo participa no concurso. “A minha maior motivação é aprender a trabalhar com pessoas e a ser empático para os doentes. Foi uma participação muito boa, a UBI é a única universidade de medicina no interior do país e realmente mostrou que consegue formar profissionais de saúde muito bons. Se fosse um doente real, havia uma grande probabilidade de ter um bom desfecho e fico muito feliz por isso”, remata Rodrigo.

Pedro Lito, docente na UBI e responsável pela organização do evento, reforça que o concurso é uma “experiência ótima”. “Podemos demonstrar um bocadinho as potencialidades da simulação como uma ferramenta educativa que temos de cada vez mais, tentar explorar”, afirma.  Para o professor, o mais importante é a evolução que nota nos alunos. “Ver o desenvolvimento do raciocínio clínico que os nossos participantes tiveram, desde o dia em que começaram, até à final, é assombroso. Isto para a faculdade é extremamente importante. A UBI foi pioneira a nível nacional em ter um curso com recuso a simulação médica. Há vários anos que temos este laboratório em ação e formamos centenas de alunos com recurso a estas metodologias educativas” revela o profissional.

“Queremos é que a educação, quando é utilizada este tipo de técnica, seja eficaz. Estes simuladores têm inúmeras potencialidades, eles simulam pacientes reais, com capacidade de falar, com parâmetros vitais, sendo possível fazer palpação, auscultação e técnicas medicas que podem executar num manequim de forma segura. Podem picar a pele, drenar um tórax, fazer uma entubação e não estarem a fazer isso num paciente real, sendo muitas vezes a primeira vez que o estão a fazer e com riscos para a pessoa que recebe esse tipo de técnicas com pessoas inexperientes”, alerta.

“Isto simula mesmo a vida real, aquilo que acontece nos hospitais”, recorda Pedro Lito.

“Eles não saem daqui só a saber fazer uma picada, a fazer um corte. Eles saem daqui a saber falar com pessoas, a interagir com pessoas, a interagir com doentes e isso é muito importante. E a fazer gestão de equipas. É isso que a simulação aporta, que outras técnicas educativas não conseguem fazer” garante o docente.

Segundo ele, um dos objetivos da UBI é realizar simulações multidisciplinares. “Faremos brevemente. Na vida real, trabalhamos com médicos, enfermeiros, técnicos, auxiliares, até com bombeiros e uma equipa tem todos estes elementos. E esta possibilidade de fazer este tipo de treinos e trazer estas pessoas, conseguir reuni-los e atuarem juntamente, seria o processo educativo ideal. Porque se aproxima daquilo que vai ser a realidade”, afirma o profissional.

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