Somos o que fazemos?

Graça Rojão

Diretora-executiva da Coolabora

Quando pedimos a alguém para se apresentar, quantas vezes a resposta começa pela profissão? Mas há certamente mais coisas que nos podem caracterizar, para além do nosso trabalho remunerado. Se o trabalho é, grosso modo, um meio de subsistência, também pode ser fonte de realização e de reconhecimento social.

Olhando para as cerca de 46.400 pessoas que residem no nosso Município, diz-nos o INE que 30,8% da população tem 65 anos ou mais e 10,4% tem menos de 15 anos. Somando, 41% das pessoas estão fora da população considerada activa. Felizmente, acima dos 15 anos, há muitas pessoas jovens ainda a estudar, que reforçam esse contingente.

Serão essas pessoas inactivas? Afinal o que é o trabalho? Consiste apenas naquilo que é feito a troco de remuneração? Que poderemos dizer de todo o trabalho não pago como limpar, cozinhar, tratar das roupas, atender aos mais velhos e às crianças, essas tarefas domésticas e de cuidado, geralmente feitas por mulheres, fundamentais para a sustentabilidade da vida? E o voluntariado na comunidade ou o esforço, que geralmente vem da agricultura familiar, de preservação das levadas de água, das sementes ou da proteção do território face aos incêndios?

É de elementar justiça reconhecer o valor de todas essas tarefas, tão importantes para o nosso bem-estar, que não se encaixam na categoria de trabalho mercadorizado e são frequentemente invisibilizadas.

Há, pois, velhas e novas lutas no mundo do trabalho. Uma luta, que parece nova mas tem séculos, diz respeito à situação laboral das pessoas “uberizadas”, que trabalham “à peça”, em plataformas ditas inteligentes, mas cujo trabalho tem semelhanças com as estruturas de servidão medievais. Vemos os TVDE pelas ruas ou as mochilas da Glovo que saem dos shoppings e dos restaurantes para fazer entregas ao domicílio. Considerados “trabalhadores independentes”, são os “emprecários”, empresários em situação de precariedade, para quem direitos como um horário de trabalho, um salário mínimo, fins-de-semana ou dias de folga são miragens.

Há outras lutas que importa lembrar no 1.º de Maio, como o crescimento do contingente de pessoas que não estão abrangidas pelo Direito do Trabalho. Para além dos motoristas e estafetas das plataformas, há os imigrantes na agricultura intensiva, os trabalhadores digitais ou ainda as pessoas que vivem uma precarização assistida, como é o caso de muitos estágios, bolsas de investigação ou programas ocupacionais.

Nas últimas décadas, a luta pela redução da jornada de trabalho esteve sempre em cima da mesa. Porém, ao desenvolvimento tecnológico e à robotização crescente não correspondeu, contrariamente ao que poderíamos sonhar, uma redução do tempo de trabalho. Continuamos ainda a lutar pela generalização de um horário máximo de 35 horas de trabalho semanal.

Hoje discutimos o teletrabalho e o trabalho remoto, a semana dos 4 dias, o rendimento básico incondicional, mas são lutas convivem com estas outras, bem antigas.

Diz a Organização Internacional do Trabalho nos seus documentos fundadores, que a paz duradoura e a estabilidade não surgem espontaneamente e que a justiça social é uma condição para a sua possibilidade. Seria bom pensarmos nisso, no 1.º de Maio e ao longo de todo o ano.

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