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Comunidade Judaica de Belmonte atenta aos “seus” em Israel

Haverá, neste momento, cerca de 40 judeus naturais da vila na Terra Santa. Estão, segundo a comunidade local, todos bem, apesar da guerra que atormenta por estes dias aquele território. O ex-rabino, Elisha Salas, foi um dos que viu um míssil destruir-lhe a casa

Deixou Portugal há cinco anos, rumo à América Central, onde nasceu (é natural do Chile). E em 2019 regressou à Terra Santa, Israel, para morar com a mulher, uma portuguesa “de gema”, originária de Lisboa. Elisha Salas, 64 anos, viveu 15 anos em território luso e destes, 13 foram passados na Beira, em Belmonte, onde foi o rabino que liderou durante muitos anos a Comunidade Judaica. Quando o tentamos contactar, para falar com ele sobre o conflito armado que opõe Israel à Palestina, logo nos envia, via watsup, um vídeo do que está a acontecer naquele momento. Um som incessante de sirenes, pessoas a fugir sem saber bem para onde, e o aviso de mais um ataque. “Neste momento, caiu aqui um míssil junto ao supermercado que fica abaixo do meu prédio” explica.

A viver em Ashkelon, a cerca de 20 quilómetros de Gaza, o ex-rabino de Belmonte conta que desde o passado dia 7, altura dos primeiros atentados do Hamas em Israel, viver por ali é apenas sobreviver, sempre em constante sobressalto, com avisos sonoros a toda a hora, no meio de uma comunidade que tentar manter-se “à tona”. “Estamos sempre a ser bombardeados. No sábado, o meu apartamento sofreu grandes estragos, com janelas e vidros partidos, paredes derrubadas. À minha frente, uma vizinha ficou mesmo sem casa. Nós, por sorte, não estávamos. Tínhamos ido celebrar o Shabat (sábado santo) longe de casa, na Galileia, e nada nos aconteceu. Aqui, o som dos alarmes a avisar para a queda de rockets é a toda a hora” explica via internet.

Elisha, que também ele adquiriu a nacionalidade portuguesa (tem dupla nacionalidade) sabe que, até agora, a maioria dos portugueses que conhece, muitos deles originários de Belmonte, estão bem. “Vivem em cidades como Jerusálem, Haifa ou Tiberíades, bem mais a norte da faixa de Gaza. Lugares que não têm sido atingidos. Nós, aqui, é mais perto da faixa de Gaza, e, por isso, mais frequente” explica Elisha Salas. Que adianta estar sempre a ser desafiado por judeus de Belmonte, que hoje moram em Israel, a ir para os locais onde moram, zonas mais calmas. “Tenho estado em contacto com eles, que me pedem para ir para junto deles. Mas é aqui que vivo e onde tenho os meus três filhos, todos eles envolvidos nesta estúpida guerra” conta.

João Diogo, 72 anos, é vice-presidente da Comunidade Judaica de Belmonte. E também ele tem família, natural de Belmonte, em Israel. “Todos os dias falo com eles, à tarde e à noite. Está tudo bem com eles, embora haja algum receio de que a situação se possa agravar a qualquer momento” explica, adiantando que, nesta altura, haja cerca de quatro dezenas de judeus naturais de Belmonte por lá, depois de há uns anos atrás muitos deles terem ido para lá atraídos por incentivos dados pelo estado de Israel.

Elisha Salas, que na região foi responsável pela certificação de inúmeros produtos kosher, desde o vinho ao azeite, do mel às compotas, conta que Israel, 37 anos, o seu filho mais velho, tem estado na guerra em Beer Sheva, apesar de ser estudante universitário e também trabalhar como electricista. Em Gaza, está o filho do meio, Efraim, 36 anos, oficial do exército israelita, mas que trabalha também numa empresa de segurança. E ali, mesmo ao pé dele, está o filho mais novo, Ischai, bombeiro em Ashkelon, e que naquele dia (passada quarta-feira) até foi chamado a acudir à zona residencial onde o pai mora.

“Os crimes cometidos, no sábado, nas aldeias, que são aqui próximas, são do mais horrível que se possa imaginar. Foram massacradas famílias inteiras. Assassinaram crianças, jovens, soldados, polícias. Também estamos perto de Sderot, outra localidade, onde forem massacradas pessoas num quartel da polícia e bombeiros. Há aqui uma aldeia perto onde foram encontrados 40 bebés decapitados. Pode-se falar em inimigos neste conflito? Não, apenas em assassinos” lamenta Elisha, que apesar de ter nacionalidade lusa não pensa, para já, regressar a Portugal.

“Neste momento, não penso sair de Israel. Ficamos cá. Esta é uma guerra de todos, é a luta do mal contra o bem, da luz contra as trevas. Depois de acabar, pensarei num eventual regresso a Portugal” garante, apesar de, de vez em quando, já aterrar por cá. “Vou frequentemente aí tratar da certificação de hotéis ou de fábricas, de diversos produtos. Ou para trabalhar no apoio ao turismo. Visito Belmonte, onde deixei muitos amigos. Portugal é lindo e tranquilo. Gente boa. Quando a guerra terminar, quando os irresponsáveis por ela responderem perante o país, quando for assumida a culpa por milhares de mortes de inocentes, quando os culpados forem julgados e condenados, talvez pense num regresso definitivo a Portugal. Gosto muito dos portuguese, da sua gente e de Belmonte” garante Elisha Salas.

“Foi descer as escadas rápido para o esconderijo”

Em Jerusalém morra Soraia (nome fictício), 38 anos, natural de Belmonte, com o filho e o marido. No sábado, 7, acordou por volta das oito da manhã, ficou mais um pouco na cama “a pensar na vida”, enquanto o filho ainda dormia e o marido preparava o pequeno-almoço. “Cerca de 20 minutos depois ouvi uma sirene, levantei rápido, o meu marido foi buscar o pequeno à cama e fomos para o esconderijo, no piso subterrâneo. Vivemos num segundo andar de um prédio sem elevador e foi descer rápido as escadas, com o resto dos moradores. Ouvimos uma explosão, disseram-nos para esperar dez minutos e depois regressarmos a casa. Assim fizemos. Quando lá cheguei, o telemóvel tocou. Era a minha cunhada a dizer-me que Israel estava em guerra e que a situação em Gaza estava muito complicada, com o Hamas a atacar vários pontos do país. Fiquei sem fala” conta ao NC. Um dia feito de subidas a casa, e descida ao esconderijo, ao som das sirenes. “Quando finalmente subimos, ligámos a televisão, onde se pedia para não sairmos de casa, porque havia muitos terroristas a monte, disfarçados de polícias, e gente que invadia casas, violava e raptava cidadãos israelitas. A sirene tocou várias vezes nesse sábado, o nosso dia de festa, que não pudemos cumprir” conta a jovem belmontense.

As horas seguintes foram a tentar saber se os restantes familiares estavam bem e em segurança. No domingo, 8, “não houve bombardeios em Jerusalém”, mas “muitos confrontos e tiros na rua”. Segunda, dois novos ataques aéreos, com nova descida ao esconderijo. “O meu corpo tremeu dessa vez. Quatro horas depois, toda eu tremia, nem um copo de água conseguia beber, pois a explosão que se ouviu foi muito forte. Nunca tinha ouvida nada assim na vida, nem pensava ouvir” conta Soraia.

Por estes dias, os bombardeamentos acalmaram, mas “há muitos confrontos e tiroteios nas ruas. Tenho estado fechada em casa, não saio à rua. Não consigo, tenho medo, embora digam que aqui é possível levar a vida normal, seguindo as regras de segurança” conta esta belmontense, que há nove anos emigrou para a Terra Santa. “Foi a primeira vez que vivi isto e espero que seja a última” deseja Soraia. Que deixou para trás a Terra de Cabral por questões económicas. “Nem eu nem o meu marido tínhamos trabalho. O desemprego durou um ano e o subsídio de inserção era pouco mais de 100 euros. Durante três anos tentámos trabalho na zona de Belmonte, Guarda e Covilhã, mas nada” lamenta Soraia, que, contudo, diz que a hipótese de regressar a Portugal não se põe. “É para ficar” assegura.

Nos últimos anos, a Comunidade Judaica de Belmonte perdeu mais de 50 por cento dos seus membros, que emigraram para Israel à procura de novas oportunidades de vida e, segundo alguns, para viverem mais intensamente o judaísmo.

O conflito que opõe, ao longo de anos, Israel e Palestina, tem feito milhares de mortos, dos dois lados da barricada.

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