Quais os motivos que o levaram a aceitar esta candidatura à Câmara?
Primeiro, o convite. Pensei, reflecti e aceitei, basicamente, por duas razões. Porque esta é a minha terra, estas são as minhas gentes. E porque conheço os problemas e sinto que posso contribuir para um concelho melhor. Assim sendo, tinha a responsabilidade e dever de dar o meu contributo no lugar em que ele pode ser mais eficaz, que é na Câmara da Covilhã, se eventualmente for decisão da população que eu tenha responsabilidades executivas.
Diz que conhece os problemas. Quais são os principais no concelho?
A Covilhã tem problemas macro, comuns a todo o Interior. Este últimos Censos vieram, mais uma vez, confirmar a depressão demográfica a que todo o Interior está sujeito, há muitos anos, muitas décadas, sendo especialmente preocupante o caso da Covilhã, que perde 10,3 por cento da população, mais de cinco mil pessoas. E por duas vias: pelo saldo natural, mais óbitos que nascimentos, e também no saldo acumulado migratório. Continua a sair população activa, gente que trabalha. E por aí, é duplamente preocupante. Além do problema do despovoamento, que não está nas mãos do município resolver isso, que é consequência de políticas centralistas de concentração de investimentos, meios, riqueza. Sucessivos governos têm utilizado o Interior para arrecadar fundos comunitários, mas depois o grosso do investimento tem ido para o Litoral.
E que pode fazer uma autarquia para ajudar a inverter isso?
Obviamente que uma autarquia, pelo menos aquilo que não deve fazer é contribuir para acentuar os aspectos mais negativos dessa política concentracionária do poder central. Deve criar condições e lutar sem descanso para atrair e fixar população através da criação de emprego. Através da habitação condigna, com a defesa dos serviços públicos essenciais, como a saúde, o ensino, a justiça, a mobilidade. São condições fundamentais para fixar gente. Sem isso, não há volta a dar. E depois ter uma atitude reivindicativa perante o poder central.
“Não somos capazes de inverter a perda de população”
E isso não tem acontecido?
Não tem acontecido. E por isso o que se verifica é que a Covilhã acaba por perder mais população. E estamos a falar de uma cidade que tem uma universidade, um centro hospitalar, uma base económica produtiva importante, uma indústria transformadora que ainda emprega uma população muito significativa. Se não fosse isto, seria ainda bem pior, não tenho dúvida. Mas a questão tem que ser colocada ao contrário: porque é que tendo isto tudo não somos capazes de inverter a perda de população. Pelo menos, estancar isso. Perdemos população, perdemos eleitores, perdemos peso político e isso, obviamente, prejudica o território, o concelho. Que também sente esta polícia centralista, porque o grosso dos meios é concentrado na cidade.
As freguesias têm sido esquecidas?
Temos Pelourinho a mais e freguesias a menos. Enfim, agora há as obras de última hora… Mas o que mais temos de incisivo é que a gente ouve na rua, por parte da população, que devia haver eleições todos os anos. Isso não é um elogio, antes pelo contrário, é uma crítica grande das populações aos eleitos e a quem tem responsabilidade de gerir os destinos do concelho. As pessoas não podem ser tratadas como idiotas, nem como cidadãos de segunda ou terceira classe. Isso não pode acontecer. A Câmara tem a responsabilidade maior de olhar para o concelho como um todo, e isso não acontece. Ainda existem demasiadas desigualdades e assimetrias socio-espaciais.
Além disso, que problemas mais identifica?
Precisamos de fixar as qualificações que a cidade produz. Temos uma universidade, e a permeabilidade entre ela e a cidade, poder político, tem que ser maior, mais dinâmica, constante. Há um outro candidato que diz que vai criar um vereador para a UBI. Eu acho que essa competência tem que estar centrada no presidente da Câmara. Ele é que deve assumir isso, essa ligação com a UBI.
Não tem acontecido essa ligação?
Tem acontecido, mas a percepção que tenho é que a interligação não existe. Há apenas uns fogachos.
“Há margem para baixar preço da água e saneamento”
E que mais problemas identifica?
O custo de vida imputado à população. Temos o segundo IMI mais caro do distrito. Consequências do PAEL? Pois certamente. Consequência de decisões erradas. O IMI agora tem vindo a baixar, mas na nossa perspectiva ainda tem margem para mais. Mas é uma análise que tem que ser feita, pois não tenho dúvidas que a pandemia terá enormes consequências nas receitas das autarquias. E é precisa uma análise ponderada sobre isso. Não vou estar agora a fazer demagogia, que vou baixar o IMI para o limite mínimo. Depois temos a taxa de ocupação do subsolo que é a mais cara do País. Consequência de decisões erradas, mas esta Câmara também não foi capaz. A redução que fez continua a ser muito insuficiente, e continua a penalizar as micro e medias empresas e também os consumidores domésticos. Depois temos a 12ª factura, de água, saneamento e resíduos, mais cara do País. E o saneamento em alta mais caro do País. Pesa 56 por cento na factura do preço em baixa.
O que pretendem então fazer nesse campo?
A cobertura de gastos, em termos de saneamento, ou seja, os rendimentos superam os gastos em 163 por cento. Há uma margem enorme para dizer à empresa Águas da Serra que o preço do saneamento tem que baixar. E já. E mesmo no abastecimento de água, da responsabilidade da Águas da Covilhã, a cobertura de gastos é de 136 por cento. A ERSAR recomenda entre 110 e 120, logo quer na água, quer no saneamento, há muito margem para reduzir o preço. Isto sem a remunicipalização do sector, que nós defendemos deve estar em cima da mesa. E já devia estar a ser preparado. Há contas que já deviam estar feitas, saber se há ou não condições de recuperar os 49 por cento aos privados, baixar a factura da água e assumir a totalidade do capital.
Não tem havido vontade de fazer isso?
Não vou estar a fazer demagogia. São muitos milhões de euros em causa. Contratos leoninos e ruinosos, sobretudo para o público, que não se resolvem de hoje para amanhã, mas a autarquia tem que se preparar, criar um fundo para recompra dessas acções e preparar isso. No saneamento, a mesma coisa, a recompra dessas acções tem que estar em cima da mesa. Na nossa perspectiva, mesmo resgatando e pagando milhões, há benefícios claros para o erário público e, sobretudo, para os consumidores.
“PS não mereceu maioria absoluta”
Como olham para os últimos quatro anos da Covilhã?
Falamos dos quatro, embora esta Câmara já lá esteja há oito anos. O PS ganhou a autarquia, há quatro anos, com maioria absoluta e acho que até eles ficaram surpreendidos. Ou não. Nos últimos dias, toda a gente percebeu que o Carlos Pinto ia dar contributo decisivo para a maioria absoluta do PS, na minha perspectiva, o que aconteceu. O voto útil funcionou no PS. Agora, é tempo das pessoas se perguntarem se esse voto útil valeu a pena. Para nós, não. O PS não mereceu essa maioria absoluta e chegados a esta altura, não merece mantê-la.
Mas foi tudo negativo?
Foi tudo mal feito? Claro que não, também houve coisas positivas que foram feitas, que se devem manter. O investimento feito na rede de água e saneamento é algo que está a ser bem feito, positivo. Deve ser a prioridade em vez da barragem, pois ainda temos 24 por cento de perdas de água, que devem ser reduzidas. O Teatro Municipal vai finalmente ser devolvido à cidade e ao concelho, e aqui a crítica que fazemos é ao próprio regulamento e à falta de diálogo entre a equipa responsável e os agentes culturais. Isso também resulta, na minha óptica, da falta de uma estratégia cultural, que é preciso discutir com os agentes e com a criação do conselho municipal da artes. O Teatro deve acolher, sobretudo, criadores locais, e contribuir para que o concelho seja uma referência cultural na região.
“Abandono do concelho é visível”
E mais?
Algum investimento feito, mas através de fundos comunitários que havia, candidatando projectos. Mas o abandono do concelho é visível. Vou ao Sobral, vou a Verdelhos, e o investimento é mínimo. No 2020, a Covilhã conseguiu mais de 12 milhões de euros, mas 77 por cento desse investimento, foi feito aqui. Na cidade. E por isso o concelho não é visto de forma integrada.
A Câmara alude muita vez às dificuldades deixadas pela dívida. Partilham dessa opinião?
Houve decisões que pesam ao longo de vários mandatos e continuam a condicionar a realização de obras. Mas não podemos ficar eternamente a olhar para a dívida, e apresentar isso como motivo para não ter uma estratégia, não avançar. Há margem na Câmara para evitar isso. Há muito despesismo, por exemplo. A Câmara continua a fazer aquisição de serviços quando tem meios próprios, que deve rentabilizar, que pode fazer o que continua a comprar fora. Depois, decisões de contratação que, para nós, são estranhas, fazem pouco sentido. Decisões de contratação de pessoal também elas estranhas, com desinvestimento no sector operário. Na limpeza de ruas, por exemplo. Isso é falta de meios. A pirâmide continua a inverter-se, e aposta-se sobretudo na capacidade técnica, mas desinveste-se na capacidade operacional. São prioridades que devem ser invertidas. A Câmara tem que ter maior capacidade de administração directa. Ela é agente de desenvolvimento local, promove a economia local, isso é positivo, mas não pode abdicar dos seus meios.
“A CDU faz falta na Câmara”
Há quatro anos, a CDU perdeu o vereador que tinha na Câmara e um deputado municipal. É possível nestas eleições inverter esse resultado e voltar a ter representatividade na autarquia?
O objetivo principal é conseguir mais mandatos, mais votos, mais condições para defender os direitos da população, e contribuir para um concelho mais coeso. O quadro político é diferente de há quatro anos, mas tem ainda algumas similitudes. A direita aparece fragmentada e apesar de ser coligação CDS/PSD, temos outro candidato à direita, cujo o mandatário é o actual vereador do Movimento De Novo Covilhã. Achamos que era importante regressar à Câmara, acreditamos existirem condições para isso, vamos tudo fazer para isso. Acreditamos que a população percebeu que a CDU fez falta na Câmara nestes quatro anos, onde não existiu oposição.
Não?
A Carlos Pinto ou Adolfo Mesquita Nunes, alguém os viu na Covilhã, no bairro do património, na luta contra as portagens, junto dos trabalhadores das Minas da Panasqueira, enfim, na defesa de melhores transportes, na água… Ninguém os viu. Não houve oposição na Câmara. Esta não tem de ser necessariamente “bota abaixo”. Tem que ser crítica, mas também construtiva, avançar com soluções, mesmo sendo minoria. Isso não aconteceu estes quatro anos. Os interesses das populações não estiveram presentes porque não houve eleitos da CDU.
O objectivo é qual?
Eleger. Não vamos dizer que vamos ganhar a Câmara, que é um cenário irrealista. Há quatro anos estivemos mais longe disso, não elegemos o vereador. Um bom resultado será aumentar a votação e, juntando o útil ao agradável, conseguir representação no executivo camarário. E reforçar o peso na Assembleia Municipal, mas também nas freguesias, pois nós olhamos para todas, apesar de não conseguirmos chegar a todas em termos de candidatura, embora tenhamos uma representatividade assinalável.
Perfil
Jorge Fael tem 51 anos, é sociólogo e natural da Covilhã, uma cidade onde, diz, está quase sempre presente e se apercebe dos problemas que existem. É membro do PCP, integra a Assembleia de Freguesia da União de Freguesias de Covilhã e Canhoso e desempenha também funções no Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, sendo também presidente da associação “Agua pública”.