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Torre: histórias da escalada que fez campeões

Rui Sousa, o autarca de Barroselas, concelho de Viana do Castelo, foi um dos mais populares ciclistas profissionais em Portugal.Tem duas chegadas vitoriosas no Alto da Torre, em 2008 e 2014, em duas etapas iniciadas em Idanha-a-Nova e em Belmonte. Uma vez vestindo o “jersey” da Liberty-Seguros, outra o da Recer/Boavista/Rádio Popular. Quando há uns anos o questionei sobre as sensações da Serra da Estrela, não hesitou; “para mim a Serra da Estrela é a mais espectacular das montanhas, psicológicamente a mais desafiante de encarar, mas para outros, para muitos é a pior, porque quem já fez esta subida a pedalar sabe o que é chegarmos a Seia ou à Covilhã, e percebermos que faltam tantos quilómetros para chegar ao topo, mentalmente pode ser arrasador. Há muita gente a falar da Senhora da Graça, mas isso não passa de um mito. A Serra da Estrela é dez vezes pior”. Fala quem sabe, e quem a subiu bastas vezes também com o fito de que ganhar lá o pudesse ajudar a vencer a Volta. Faltou pouco.

Foi o que aconteceu a quem tanto lutou por um triunfo na Volta a Portugal. Considerado um dos melhores do pelotão nacional das últimas décadas, ele é o primeiro vencedor do novo século. Após quatro segundos lugares (1993, 1994, 1997 e 1999), Vitor Gamito conseguiu o grande objectivo de carreira em 2000. O ciclista lisboeta, foi o mais rápido no Alto da Torre na etapa que tinha começado na Guarda. Vestiu a “Amarela”, e nunca mais a largou até à sua terra natal. Por questões físicas suspendeu a carreira em 2004, mas ainda haveria de volta a subir à Torre, Com 44 anos, e muito apoiado pelo carinho dos adeptos.

Daqui a uns dias a Volta a Portugal terá a trigésima chegada na Torre, o que significa que em muitas edições, já estamos na 85ª., o ponto mais alto de Portugal Continental serviu apenas de passagem, nos anos em que o percurso incluiu a Estrela, a serra mais serra de todas. Ora, foi precisamente o que aconteceu quando dei as primeiras pedaladas como jornalista na cobertura do evento. RTP 1989. Três semanas, vinte e uma etapas. Numa delas, lembro-me tão bem, ao descer a serra de moto, e de ser ultrapassado pelos ciclistas que em alta velocidade, “curtavam” as curvas, e parecendo voar, assobiavam alertando para a rapidez da manobra. Ui… tantos sustos,  e que momentos inesquecíveis, no ano em que o actual director da prova também se estreou a ganhar. No Porto a 12 de Agosto, após um contra-relógio individual. Pela Sicasal-Torreense. Delmino Pereira, presidente da Federação de Ciclismo foi quinto na geral, e o eterno Marco Chagas, já na fase final da sua carreira, foi décimo. Quanto a mim, voltei à estrada nos anos seguintes.

Por falar em estreias, esta é a mais reveladora e marcante de todas. Aconteceu em 1971. Um momento para a vida. Eu era um puto com 10 anos de idade que adorava bicicletas. Fui à Serra para ver a estreia de etapas da Volta a Portugal fechadas na Torre, uns anos depois de ter chegado às Penhas da Saúde. Pela mão do meu pai assisti à memorável vitória do campeão dos campeões, Joaquim Agostinho que haveria de repetir o triunfo no ano seguinte. O grande “Tinô” vestiu de amarelo da primeira à ultima de vinte e cinco etapas (imagine-se), numa volta que começou e terminou em Lisboa. Em segundo lugar da geral ficou Alain Santy, um francês da BIC. O pódium foi fechado por outro grande trepador, Firmino Bernardino. Se eu já gostava de ciclismo, imagine-se o fabuloso contributo desta minha ida à Torre.

A última experiência de chegadas à Torre, e foram tantas e tão marcantes quer para ciclistas quer para apaixonados pelo ciclismo,     é assim como uma passagem de testemunho para Teixeira Correia,     o veterano entre os jornalistas da Volta, e hoje “speaker” oficial. Em 1994, assistiu-se a um dos mais dramáticos finais de etapa na Serra    da Estrela. Três ciclistas para o combate final. Joaquim Gomes da Recer-Boavista, Orlando Rodrigues da Artiach, e Vitor Gamito da Sicasal-Acral. Numa das mais espectaculares chegadas da história, num grande momento de ciclismo, Gomes venceu a etapa e Rodrigues o “salvo conduto” para a vitória final, que haveria de repetir no ano seguinte, vencendo também no Alto da Torre.

A TORRE DOS NOSSOS (DES) ENCANTOS

António Teixeira Correia

“O pior que se viu durante a Volta a Portugal. Tudo o que imaginem é pouco comparado com a realidade. Cenas que nos colocam os cabelos em alvoroço”, foi assim que há 30 anos a Gazeta dos Desportos traduziu as condições “dantescas” que rodearam a chegada à Torre na etapa que começara na Covilhã. Daniel Friebe e Pete Goding, autores do livro “Ascensões secretas”, em que revelaram subidas míticas do ciclismo mundial, descreveram esse dia histórico em que Joaquim Gomes ganhou a tirada, sem o saber. “Como aos demais, o único que me orientou e levou até à meta foi o instinto de sobrevivência. No final perguntei quem tinha ganho, e a resposta chegou-me entre os muitos adeptos que se protegiam como podiam da chuva, do intenso nevoeiro e do frio. Era a voz do meu pai: ganhaste tu Quim”, recordou a Daniel e Pete a sua inesquecível vitória na Torre. Apesar de estarmos em meados de agosto, no ponto mais alto de Portugal Continental, o termómetro marcava dois graus negativos. Estive lá, nessa inolvidável chegada. Como jornalista. Quando a caravana saiu da Covilhã, nada fazia antever aquela jornada tão dura. Como repórter da rádio local de Beja tínha de fazer toda a etapa à frente do pelotão, ouvindo o rádio-volta. As comunicações não eram as de hoje. Manteigas e mal virámos à direita, no Viveiro das Trutas, o céu, o sol e a luz do dia engolidos pelas trevas do nevoeiro. A partir dali foi, como se diz no Alentejo: “devagar, devagarinho e andando”. No final da etapa, no camião do JN para os jornalistas, a lona dianteira foi fechada e fiz a reportagem deitado, a espreitar por uma nesga, agarrado ao telemóvel, aqueles “tijolos” antigos, mas a tiritar de frio. Tal como os ciclistas, quase morria gelado. Foi o mais tenebroso que vivi, em mais de 35 anos de cobertura da Volta a Portugal.

O Bom Pastor

No dia seguinte em Belmonte, vinha a malta contando as aventuras do dia anterior, quando surge o algarvio Pedro Martins (Tavira): “alimentei-me mal. A meio da subida deu-me um ataque de fome e parei, não aguentava. Estava sentado no muro à beira da estrada e do vale surge o meu salvador, um pastor. Do bornal, tirou uma borda de pão e um bocado de queijo. Com alguma dificuldade pelo frio e fome, mas com sofreguidão, comi tudo. Voltei a montar na bicicleta e terminei a terrível etapa”, lembrou.

Speaker da Volta “

Na década de 90, nos tempos do JN, tudo começou com Neto Gomes. Em 2001 com a entrada da PAD, co mo o mundo pula e avança, tudo  mudou. Primeiro Rui Almeida, depois Gonçalo Ventura, ambos jornalistas da Antena1, e mais tarde Paulo Cintrão, também jornalista, da TSF. Depois a dupla Pierre e Armando César. A partir de 2010, tomei conta da ocorrência. No portuguesismo da palavra, o comunicador, que faz dos seus, os olhos dos milhares que assistem pela RTP, ou que esperam junto à meta. O “rapaz do microfone” traduz em palavras a beleza das imagens, os momentos das vitórias ou derrotas, descreve a emoção do momento. Da glória e do infortúnio. No final de cada partida ou chegada, termino sempre como despedida agradecida ao público, “Que Deus vos rebente com saúde”.

 

 

 

 

 

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