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Um ano depois…. que nova Serra se quer?

Faz hoje um ano que cerca de 90 por cento do sexto maior incêndio de que há registo em Portugal foi dado como dominado. Hoje, associações ambientais e florestais refletem sobre o que se quer para o futuro, numa Serra que, dizem, deve ser mais atrativa para quem lá mora

Faz hoje um ano que os bombeiros e a proteção civil deram, por dominado, em cerca de 90 por cento, o grande incêndio que no verão passado lavrou na Serra da Estrela, durante 11 dias, com epicentro em Vila do Carvalho, concelho da Covilhã, mas que depois se estendeu a mais 23 freguesias de mais cinco concelhos (Belmonte, Celorico da Beira, Gouveia, Guarda e Manteigas), “limpando” uma área superior a 28 mil hectares de terreno no Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE). Foi o sexto incêndio de maior dimensão em Portugal, desde que há registos, e o maior registado no país no ano passado. Atingiu um local icónico e provocou um elevado prejuízo económico e social, sem ter registado vítimas mortais. Agora, um ano passado, a pergunta que muitos fazem é: que nova Serra se quer?

Pela região, algumas associações ambientalistas, ou florestais, que estão no terreno, assinalaram, nas suas páginas, o ano passado sobre dias terríveis que foram vividos no ano transato. Por exemplo, os Baldios de Valhelhas, no concelho da Guarda, lembraram esta semana que, “precisamente um ano, por esta hora, um pouco de cada um de nós morreu juntamente com milhares de árvores, insectos, aves e outros animais que se viram surpreendidos por um incêndio trágico e criminoso.” E que “a união de todos evitou danos humanos, mas não foi capaz de impedir que a nossa gigantesca mancha verde, apreciada por nós e por tanta gente que visita Valhelhas, fosse dizimada quase por completo.” A dor “individual e coletiva continua bem presente sempre que acordamos e olhamos para as nossas três serras, outrora tão belas e que num ápice se tornaram verdadeiros espelhos de cinza.” Os Baldios, contudo, dizem que “felizmente, a natureza tem uma força incalculável e em apenas um ano já nos mostrou que não conhece a palavra “desistir”. Em poucos dias vimos pequenas ervas e flores a sair da terra ainda quente; em escassas semanas observámos arbustos a rebentar entre as pedras negras; em alguns meses pudemos tocar em pequenos pinheiros, carvalhos, freixos ou medronheiros, prontos para abraçar um novo ciclo de vida.”

A associação, criada há pouco mais de um ano (antes os baldios eram geridos pela Junta), diz que a “paciência e otimismo” darão a força necessária para “lutar por um futuro verde, por uma floresta diversificada e sustentável e pela qualidade de vida de uma aldeia que, mesmo ferida e cheia de cicatrizes, continua a tocar o coração das pessoas”, e agradece todos os apoios, sejam de organismos públicos, de cidadãos comuns, de associações ou do tecido empresarial da região. “Foi graças a todos que já pudemos colocar de pé algumas iniciativas e será com o empenho e envolvimento de todos que mais projetos virão”.

 

Não se pode colocar árvores e depois abandonar o território”

 

À Lusa, o líder do grupo de cerca de 25 pessoas que deu vida aos baldios, Filipe Sanches, recorda que desde o ano em que cerca de 600 hectares do seu perímetro florestal foi dizimado, já foi criado um pequeno bosque juvenil e se avançou com uma candidatura ao programa de Condomínios de Aldeia para alterar o tipo de vegetação que está em redor de Valhelhas. No entretanto, está a ser estudada a possibilidade de avançar com projetos de gestão florestal com privados, para mudar o paradigma, numa perspetiva que não seja “puramente económica”.

Sobre o Plano de Revitalização da Serra da Estrela (PRSE), Filipe Sanches espera que possa mudar a relação do Parque Natural com as pessoas. “As restrições colocadas pelo próprio Parque Natural desincentivam a presença das pessoas, sobretudo nas zonas mais florestais. É importante que haja pessoas. Não se pode colocar árvores e depois abandonar o território”, alerta.

Também Corinna Lawrenz, presidente da associação Veredas da Estrela, criada após o incêndio, por habitantes de duas aldeias do concelho de Gouveia, considera que é “importante o olhar a partir das comunidades”. “Eu gostava que o Parque pudesse ser visto como algo positivo na vida das pessoas e na vida das comunidades. E, quando se vive dentro do Parque, para muitas pessoas, não é uma coisa positiva, mas sinónimo de regras e proibições pouco claras”, constata, considerando que a Serra da Estrela poderia e deveria ser “um território atrativo para as pessoas”.

Já na Covilhã, a associação ambiental Guardiões da Serra da Estrela, defende que o PRSE deve pôr em primeiro lugar a natureza, sem nunca esquecer a melhoria das condições de vida das pessoas que vivem no Parque Natural. Para a coordenadora de projetos da associação, Sara Boléo, a palavra-chave para o futuro será “equilíbrio”.

Sara vinca que, quando se desenha qualquer projeto para a Serra da Estrela, no topo das prioridades terá de estar a natureza, já que é ela que dá razão de ser àquele território. No entanto, defende que essa estratégia também tem de ter atenção às pessoas que lá vivem. “Nós não acreditamos que possa haver preservação ou conservação da natureza se não houver cuidado e apoio às pessoas que lá vivem, que são os primeiros guardiões de todos”, diz à mesma agência.

“As pessoas não sentem que é uma mais valia viver no Parque Natural”

Neste último ano, vinca que a associação não parou, participando em ações de estabilização de emergência, apoio à comunidade pastoril, diversificação de viveiros, assembleias comunitárias nas 24 freguesias afetadas pelo maior incêndio de que há memória, ouvindo populações e divulgando apoios, além de apontar soluções apresentadas.  A primeira ronda de assembleias terminou no fim de junho e os contributos serão compilados e entregues às entidades gestoras do território, estando prevista uma segunda ronda para apresentar sugestões e críticas quanto ao PRSE, do qual ainda só se conhece um esboço. Desse trabalho de auscultação, surgiram preocupações como o envelhecimento da população e o abandono das terras, ficando também clara a relação pouco pacífica com o Parque Natural. “As pessoas não sentem que é uma mais valia viver no Parque Natural. Algumas até preferiam não viver dentro do Parque porque para fazerem qualquer coisa nas suas terras precisam de obter uma licença e é tudo muito burocrático, lento e com resposta que não vem em tempo útil”, conta Sara Boléo.

Para aquela dirigente da associação, as pessoas “sentem-se de mãos atadas e veem os gestores do Parque como um inimigo”, depois de terem assistido a um gradual desinvestimento do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) no território. Sara Boléo olha com alguma esperança para o PRSE, considerando que é “um bom sinal” ver uma grande fatia do orçamento daquele plano estar associada ao ordenamento florestal e ao ambiente. No entanto, a possibilidade de o plano centrar-se apenas numa perspetiva economicista da Serra da Estrela é algo que preocupa os Guardiões da Serra da Estrela, frisa a gestora de projetos da associação, notando a pressão que já hoje existe, seja por via do turismo ou da exploração de gado bovino.

“É preciso encontrar equilíbrios entre zonas que se querem produtivas e as que contribuam para a conservação. Estamos apreensivos para perceber se haverá esse tal equilíbrio”, refere.

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