Luís Cipriano, 60 anos, é professor e maestro do Coro Misto da Beira Interior, que celebra 35 anos e tem 800 concertos no currículo, da Coreia do Sul à Palestina, de França à Áustria. O coletivo tem programa de fados, música sacra, canções de Natal e prepara um concerto de rock, com composições dos Queen, que gostava de apresentar no TMC. O maestro lamenta que, apesar do pedido feito há um ano, não tenha recebido resposta, e defende a substituição de Rui Sena, diretor da maior sala de espetáculos do concelho. Esta temporada o grupo tem atuações previstas nos Açores, Madeira, Bulgária e Roménia.
O Coro Misto dá sábado o concerto 800. Que significado tem para a Associação Cultural da Beira Interior (ACBI)?
Significa mais um projeto com o sucesso pretendido e muito além do que se previa. Oitocentos concertos só podem acontecer se houver bom desempenho ao longo dos anos. Este número atinge-se devido à qualidade das pessoas que fazem e fizeram parte deste coro.
Qual tem sido o papel da associação?
A ACBI pretende que a música chegue a todos e por vezes substitui o próprio Estado. Felizmente, temos conseguido o nosso objetivo, por vezes com algumas dificuldades, mas as facilidades também não fazem ninguém crescer.
O Coro Misto é o rosto mais visível, mas a ACBI tem outras atividades, como o Plante 1 Músico. O que têm feito?
Temos cerca de 100 crianças de variadíssimas freguesias e dos concelhos da Covilhã, Fundão e Sabugal a beneficiar gratuitamente deste projeto. Tentamos que tenham experiências de concertos e que as suas famílias também possam desfrutar desses mesmos concertos. Associamos a isto a descentralização, pois a maioria das crianças são oriundas de zonas rurais.
Nesses projetos, tem ideia de quantas pessoas, de quantos concelhos, estiveram envolvidas?
Até hoje mais de 800 crianças beneficiaram desta iniciativa em três concelhos e cerca de 30 freguesias.
Têm vindo a fazer concertos improváveis. No paredão da barragem, em torres de vigia florestal. Que outros locais estão previstos?
Iremos fazer numa adega, num comboio e com o coro dentro de água, num rio, com o público nas margens. Isto para já. Novas ideias poderão surgir.
Qual é o propósito desses espetáculos, habitualmente em locais mais isolados?
Este projeto pretende provar que concertos existem onde um coro e o público quiserem. Não podemos estar confinados a igrejas ou salas e também quando as pessoas não vão ao encontro da cultura, terá de ser a cultura a ir ter com as pessoas.
Como pretendem celebrar os 35 anos?
Da melhor maneira, com ensaios e concertos. Falando destes últimos, teremos imensos nos concelhos da Beira Interior e depois Lagos, Aveiro, Vila Real, Fátima, Ourém, Ponta Delgada, Ribeira Grande, Roménia e Bulgária. Teremos também o lançamento do CD “Spes Missae” e a gravação ao vivo do CD “We are Queen”. Está previsto realizarmos mais de 30 concertos. Por exemplo, só em dezembro serão 15 concertos.
Estão a preparar o espetáculo We Are Queen. O que está previsto? O que vai ter de especial?
De especial tem o facto de irmos cantar peças escritas por um génio, de nome Freddie Mercury. Depois, a diferença de serem cantadas por um coro acompanhado de uma banda rock formado por guitarra, baixo, piano e bateria. Lembro que na Croácia uma das Medalhas de Ouro que ganhámos foi na categoria rock. Um coro não pode ter duas palas, mas sim uma visão abrangente.
Fez críticas públicas à gestão do Teatro Municipal da Covilhã (TMC). Disse que o pedido para utilização da sala foi feito há um ano, renovado há seis meses, e o espaço está indisponível. O que aconteceu?
Nunca houve resposta por parte do Teatro. Aliás, já é conhecido a nível nacional por não responder aos e-mails. Músicos de todo o país perguntam-me, em tom de gozo, se a Covilhã tem internet. Sendo eu um defensor do Interior, isto deixa-me irritado e envergonhado. O concerto de aniversário do coro vai ser feito noutra cidade. Cantar no TMC não modifica o nosso currículo, mas proporciona-nos o prazer de cantar para as pessoas da Covilhã, principalmente nesta data tão importante para nós.
Nunca tiveram resposta do TMC, não podem apresentar o espetáculo numa data específica ou não foi proposta qualquer data?
Foi proposto 8 de fevereiro, pelo facto de o primeiro concerto do Coro ter sido a 4 de fevereiro e ser o fim de semana próximo dessa data. Nem resposta. Curiosamente, quando enviámos a proposta para o TMC, também enviámos um vídeo aos Queen, que no dia seguinte nos estavam a felicitar pela iniciativa e a elogiar a nossa prestação. Mas decerto que o diretor do TMC está muito mais ocupado do que os Queen e, portanto, não tem tempo para responder, mesmo que tenha só um espetáculo por semana.
Procurou ter uma explicação do diretor do TMC, ou o que disse a vereadora da Cultura?
Para ter uma resposta do diretor só se lhe mandasse um pombo-correio, pois pelos tramites normais não há resposta. Há um ditado português que diz que no melhor pano cai a nódoa. Temos uma autarquia e vereadora que produzem esse bom pano, e um diretor do TMC que coloca a nódoa. E não estou a ver detergente que resolva isto, a não ser a sua substituição. O Concurso de Percussão, um dos principais da Europa, também não pode ser no Teatro. Está sempre ocupado, mesmo quando há dois anos se sabia que ia novamente acontecer este evento. Ou é incompetência, ou má vontade, ou até as duas, em simultâneo. Mas já passámos por boicote semelhante com o anterior presidente de Câmara e derrotámos essa postura. Nesta atual situação o desfecho não será diferente.
Queria que o concerto dos 35 anos fosse na Covilhã. Já tem local?
Não será na Covilhã. Iremos fazer em quatro localidades, todos à volta do dia 4 de fevereiro: Vila Velha de Ródão, Proença, Fundão e Sabugal.
Quantas pessoas já passaram pelo Coro Misto e quantos elementos tem atualmente?
Não muitas. Tem sido um coro estável. Atualmente tem 28 pessoas. É fácil entrar, mas é difícil permanecer. É um coro para pessoas inteligentes e cumpridoras. No caso dos mais novos, mantêm-se estas características, mas também com pais inteligentes e responsáveis. Atualmente, no sistema educativo, transita-se de ano com a mochila repleta de ignorância. Aqui só se sobe ao palco com conhecimento e saber, e isso dá trabalho.
Já receberam vários prémios internacionais. Qual foi o mais importante?
Todos. Mas talvez a primeira medalha de ouro em Budapeste, em 2007, e na Croácia, em 2019, onde conquistámos medalhas de ouro em todas as categorias onde concorremos.
Ainda se lembra da primeira distinção?
Foi em Zwickau, na Alemanha, em 2000. Devido a dificuldades económicas o coro viajou de autocarro e as refeições de ida e volta foram salsichas.
Nestes 35 anos, que histórias ficam para contar?
A 23 de junho de 2002, o Coro Misto teve de abandonar o concerto, por ameaça de bomba. Foi na Igreja de São Francisco, na Covilhã. No dia 14 de maio de 2006, na Aldeia de Pínzio, Pinhel, minutos antes de um concerto de música popular portuguesa, o padre local proibiu todas a peças que mencionassem “amor, beijo ou namoro”. O Coro fez o concerto com quatro peças e terminou em aproximadamente 12 minutos, o nosso concerto mais curto.
Em que ocasião atuaram para mais gente?
Em 1995, no Estádio Nacional, dirigidos pelo maestro Graça Moura. O Coro Misto cantou perante cerca de 30 mil pessoas.
Qual foi a vossa atuação mais emblemática?
Difícil. Talvez o Natal de 1999 na Igreja da Natividade, na Palestina, mas também as competições em Dubrovnic, na Croácia, ou o Requiem de Mozart, na Covilhã.
Do trabalho de 35 anos, do que mais se orgulha?
Ter ensaio amanhã.