Pedro Castaño
No dia 21 de novembro de 2019, poucos dias após a sua morte, a TSF dedicou a José Mário Branco um episódio do programa A Playlist de…. nessa homenagem, através das músicas que escolhera e dos comentários que lhes associava, revelou-se um retrato profundo da sua personalidade artística e cívica. Mais do que uma simples seleção musical, a emissão evidenciou a amplitude do seu olhar, a riqueza da sua escuta e a inquietação que marcou toda a sua vida. José Mário Branco é uma das figuras mais decisivas da música portuguesa contemporânea. É verdade que no programa da TSF diz que o Fausto é o melhor dos “filhos do Zeca”, mas a verdade é que os dos “três cantos” são todos melhores.
Um pauzinho na engrenagem
Cantor, compositor, produtor e homem de teatro, construiu uma obra multifacetada que atravessa gerações e permanece como referência ética, estética e cultural. A sua importância não se limita à chamada “canção de intervenção”: ele foi, sobretudo, um criador completo, que transformou a música em espaço de reflexão, resistência e liberdade. Exilado em França durante a ditadura, absorveu influências da “chanson”, do teatro político e da música popular europeia, que trouxe para Portugal com enorme criatividade. Canções como FMI, A Noite ou Inquietação revelam uma escrita poderosa, que alia crítica social, ironia e emoção.
Um pauzinho na engrenagem porque a sua forma de compor demonstrava a convicção de que a canção podia ser, ao mesmo tempo, documento de época e obra de arte. Um esteta revolucionário que esteve sempre atento e sempre moderno. Escreveu “O faduncho choradinho de tabernas e salões”, mas o fado cativou-o e ficámos com um Camané do outro mundo. No filme “Mudar de Vida” está lá tudo sobre essa joia sem preço que foi essa relação.
Um pauzinho na engrenagem porque como produtor, deixou marca em discos fundamentais de José Afonso, Sérgio Godinho, Fausto. Nos estúdios, era um artesão rigoroso e visionário, capaz de combinar tradição e modernidade, explorar novas sonoridades e dar às canções uma densidade rara. Essa faceta confirma-o como um dos grandes arquitetos sonoros do país.
Um pauzinho na engrenagem que nunca foi só a música e o teatro (mas o disco com as músicas de “A Mãe” na comuna são superlativas). Homem de pensamento e convicções, acreditava que a arte não podia ser mero entretenimento, mas sim um lugar de questionamento e mobilização – Por isso mesmo várias vezes chamou a atenção para Pedro Abrunhosa, não pela música, mas pela consciência cívica.
Um pauzinho na engrenagem que nos apura os sentimentos com a sua crítica que mantém a atualidade. A sua voz, as suas composições e os arranjos que criou continuam a desafiar-nos a escutar com atenção, pensar com espírito crítico e agir com responsabilidade. Mais do que músico, foi um criador maior da cultura portuguesa, cuja obra se mantém como património vivo e indispensável.
Obrigado Zé Mário