Uma atitude: a Covilhã e a Etiópia

Carlos Madaleno

As relações entre Portugal e a Etiópia sempre foram muito peculiares (para não usar outro adjetivo). Iniciaram-se quando, em 1487, D. João II envia o nosso Pero da Covilhã, juntamente com Afonso de Paiva, em busca de notícias do mítico reino do Prestes João e da Índia, como outras vezes já aqui o referimos. Não cabendo agora aqui elencar esta importante missão, rematamos afirmando que Pero da Covilhã constataria que afinal o mítico reino era apenas um pobre povo que tentava evitar ser esmagado pelos vizinhos muçulmanos, não podendo valer de qualquer ajuda aos portugueses. Antes pelo contrário, teria de ser a Etiópia a ajudada na luta contra os infiéis.  Foi esta mesma realidade que trouxe, por sugestão de Pero da Covilhã, o frade Mateus da Etiópia, a Lisboa, para solicitar apoio ao rei luso. Seria pelo mesmo motivo que Cristóvão da Gama e as forças combinadas da artilharia portuguesa e do exército etíope levaram a Etiópia à vitória, dando resposta ao pedido do rei Lebna Dengel. Não evitaria, porém, a morte D. Cristóvão, filho de Vasco da Gama, em 28 de agosto de 1542, às mãos do imã, relatada nas crónicas e tradições etíopes.

Em 1623, outro covilhanense, Gaspar Pais, partiu para a Etiópia, a convite de Negus que desejava promover a evangelização no seu império. Após a morte deste imperador, seu filho, o Imperador Facilida, manda expulsar os padres católicos. Gaspar Pais continuou a sua missão refugiando-se em grutas e bosques, vindo a ser perseguido e morto com duas lançadas pelos seus perseguidores, em 25 de Abril de 1635.

Já no século XX, a Etiópia solicita, uma vez mais, ajuda a Portugal, durante a invasão italiana em 1935. O governo de Salazar aceitou então o pedido de sanções contra a Itália e proibiu a exportação ou o trânsito de armas, munições e outros materiais de guerra para a Itália ou suas colónias. Em 1959, em nome da antiga amizade entre os dois povos, Portugal, com toda a gala e pompa, recebe o imperador etíope, Haile Selassie. Lisboa curva-se ao rei dos reis, ao descendente do rei Salomão e da rainha de Sabá, nada menos que Deus encarnado na Terra para os devotos Rastafári. A Covilhã não quis ser ignorada, lembrando o antigo elo entre o seu mais insigne filho, Pero da Covilhã, e os antepassados do Imperador. Assim, oferece a Selassie uma tapeçaria da autoria de António Lopes. O emissário da oferta foi o jornalista Armando Aguiar, jornalista do Diário de Notícias e delegado do Secretariado de Propaganda Nacional. Selassie retribuiria a oferta com uma medalha de ouro evocativa do seu reinado.  O Imperador, após seis dias de glória regressou à Etiópia como general honorário do exército português. Mas, numa carta de 17 de junho de 1963, o Imperador instou Salazar a apresentar uma agenda para a libertação progressiva das colónias e a pensar uma data para a independência, argumentando: “Não podemos concordar com o fato de que outros companheiros africanos permanecem oprimidos em troca da liberdade que desfrutamos”. Declarou ainda: “Se o governo português não responder favoravelmente a esse pedido, todos os países africanos independentes deverão romper suas relações diplomáticas”. Estava tudo estragado, Salazar e o seu Regime jamais aceitariam tal ingerência. A Covilhã e o seu presidente de Câmara também não.  O Dr. José Ranito Baltazar, presidente desde 1956, ex-presidente da concelhia da União Nacional, e ex-deputado à Assembleia Nacional, entregou a medalha ao Movimento Nacional Feminino para ser fundida e o dinheiro entregue aos soldados do Ultramar. A Direção da Casa da Mocidade Portuguesa e o Comando Regional de Graduados aplaudiram. Para memória futura ficou apenas, no jornal do Liceu da Covilhã, “A Chama”, de janeiro de 1964, um texto intitulado “Uma Atitude”.

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