Assunção Vaz Patto
Não há fórmulas de bem-estar para resolver o dia-a-dia fechado em casa, ou o quotidiano de quem tem de ir trabalhar – com medo de apanhar vírus, de trazer vírus para casa. Mas com a consciência de que se tem de ir, para o País não parar, para que este simulacro de civilização em que vivemos se mantenha.
Cada vez que abrimos o telejornal e vemos a dupla da Ministra da Saúde e da directora da DGS (e há muitos nomes que se podem chamar à dita dupla, é só puxar pela cabeça e ser criativo…) há mais mortes, há mais infectados, e o vírus que veio da China está a ganhar. Sabemos que não se está a testar toda a gente e provavelmente os números de infectados são muito maiores. Quem vai para o hospital sabe que pode contactar com doentes que estão infectados e não sabem – e quando há material de protecção ele raramente é suficiente e eficaz. Quem anda na rua, se não tem a noção do risco que corre, é porque é um inconsciente. Temos de ficar em casa, obrigatoriamente: todo o desinvestimento feito no SNS nos últimos anos está a ver-se e vai-nos apanhar a todos se não ficarmos em casa.
E podemos continuar deste modo e ficar cada vez mais tristes e mais desesperados, ou podemos, sem meter a cabeça na areia e sem pôr de lado nenhuma das afirmações prévias, ver como vamos viver o dia de hoje e os que vêm aí.
Sempre achei que os 10 mandamentos, mais do que uma regra religiosa, são sobretudo regras sociais: Moisés precisava de conseguir controlar o Povo de Deus, que não se portava à altura…de um Povo de Deus…Nós também não estamos propriamente a portarmo-nos à altura: hoje nas ruas das zonas ribeirinhas estava toda a gente a apanhar sol – e vírus. Ontem, em Lisboa, houve uma rave com mais de 300 pessoas, cheia de cocaína e vírus…Por qualquer razão meteu-se na cabeça do pessoal mais novo que são imunes ao vírus. Infelizmente não são. E os pais deles também não. Para não falar nos avós…Os dez mandamentos podem ser úteis nestes tempos, para todos. E amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo funciona, mesmo para quem não acredita em Deus – embora estes tempos tendam a levar dramaticamente uma série de gente de volta à Igreja (e vamos esperar que se mantenham lá, pode ser uma forma de começarem a olhar para o próximo de uma forma menos insensível, menos egoísta e mais próxima). Para quem não acredita em Deus, há sempre o próximo e o próximo são todos, os que posso contaminar, os que me podem contaminar a mim. Até porque estamos todos no mesmo barco, todos em casa (ou devíamos estar), todos com uma perspectiva angustiante do que vai ser o País depois disto. E todos com a possibilidade de morrer ou de perder alguém de quem gostamos muito nesta historia.
Mas é precisamente o amar ao próximo como a ti mesmo que me dá esperança- uma esperança que teima em manter-se mesmo depois de telejornais horríveis, de politólogos e economistas horríveis e da ameaça de um fim de mundo que parece estar ao virar da esquina de acordo com as noticias: uma esperança que vive de actos de solidariedade de todos os dias no meu prédio, na cidade, nas aldeias, dos bons dias que comecei a ouvir no supermercado de perfeitos desconhecidos, dos voluntários que se organizam nas casas, nos bairros para ajudar os mais desprotegidos. A mesma esperança que nos vai levar a dar a mão ao pequeno comerciante, à mercearia do bairro, ao café do sr. X, à tasca da menina F quando isto passar. A todos os que tiveram de fechar portas e não sabem como fazer, eu sei que vamos lá estar para eles. E tenho a esperança de que, como sempre fazemos nos períodos mais negros da nossa história, independentemente de quem nos governa, nos vamos conseguir safar. Não é um vírus do fim do mundo que nos vai vencer.
Tenham cuidado convosco, e tenham cuidado com todos!