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Viver para perceber dificuldades de locomoção

Alunos de Psicologia vestiram a pele de pessoas com limitações na mobilidade para perceberem o que pode ser melhorado no espaço público

Bastaram poucos metros para que os cerca de 60 alunos de Psicologia da Universidade da Beira Interior (UBI) que na manhã de segunda-feira, 15, saíram do Sineiro em direção ao Pelourinho com o intuito de perceberem os obstáculos à acessibilidade e à mobilidade de quem tem problemas de locomoção constatarem que era impossível fazerem o percurso sem terem constantemente de descerem o passeio demasiado alto para caminharem na estrada, onde circulavam carros nos dois sentidos.

Em cadeira de rodas que encontram sinais de trânsito e muitos outros obstáculos no passeio, muletas, tripés e andarilhos que os paralelos levantados fazem tropeçar e impedem de progredir em segurança, outros com óculos que reduzem o campo de visão ou provocam a sensação de embaciamento, alguns com um pesado colete com vinte quilos, para simular efeitos da idade ou de doenças sobre as articulações ou a flexibilidade, rapidamente se depararam com um espaço público que dificulta a autonomia e a mobilidade de quem tem problemas motores ou outras condições que limitam a locomoção.

A aula de Desenvolvimento do Adulto e do Idoso foi prática e a lição apreendida com maior facilidade do que na sala de aula.

Depois do trajeto em ziguezague, da atenção redobrada a andar na via pública, da necessidade de ajuda para prosseguir caminho, Inês Santos, de 18 anos, comentou que, por mais que se mencionem certas vivências, não se consegue alcançar quão difícil pode se pode tornar a vida de algumas pessoas quando o ambiente em que vivem não promove a acessibilidade, ou não é o mais adequado para estimular uma vida autónoma.

“Até podemos ter empatia, mas não temos a real noção”, disse ao NC a estudante de Psicologia, enquanto desce a renovada Avenida Frei Heitor Pinto, onde as zonas com os paralelos levantados se vão multiplicando.

Apoiada em duas muletas, depois de já ter experimentado a dificuldade em movimentar-se com um andarilho, Marisa Barbosa, 19 anos, debate-se com o calor exponenciado pelo esforço feito e lamenta a ausência de sombras e de bancos que sirvam para descansar e servirem de apoio.

“As caraterísticas deste pavimento e dos passeios não permitem autonomia. Se tivesse alguém próximo com estas necessidades, não me sentia confortável que andasse sozinho numa zona assim”, lamenta a aluna do primeiro ano de psicologia, para quem esta experiência “enriquece a formação enquanto estudante e enquanto cidadã e ajuda a consciencializar para as dificuldades de quem se depara com estes problemas”.

Com uns óculos com dois pontos opacos no meio, Bárbara Oliveira caminha concentrada e cautelosa, a sentir a falta da visão central, e surpreende-se com os pormenores a que tem de estar atenta e em que normalmente não repara, embora passe nesta rua todos os dias.

“Não tinha noção do esforço necessário para andar assim e não é razoável o espaço público não estar organizado para ser mais inclusivo”, salienta a futura psicóloga, segundo a qual experimentar estes condicionalismos, ainda que apenas numa aula de duas horas, a ajuda e aos colegas a “colocarem-se melhor no lugar dos outros e a ter a uma ideia mais abrangente das dificuldades, que são muitas”.

Uns atrasam o passo, outros precisam de ajuda para avançar, há quem se queixe do cansaço, de dores nas pernas, há quem vá parando, como acontece com Maria Luísa, de 82 anos, que primeiro se agarra a uma esplanada e depois procura o suporte de uma parede enquanto vê o grupo passar e partilha como o peso da idade se pode fazer sentir.

Maria Miguel Barbosa, uma das professoras, aproveita para explicar que “a recuperação cardiovascular é cada vez mais difícil ao longo da vida”, além de acrescentar o que podia existir para mitigar o esforço adicional.

Sara Neves, de 19 anos, estava a ser empurrada por um colega, mas levantou-se da cadeira de rodas quando, mais uma vez, teve de passar para a estrada, por recear cair, dada a altura do passeio.

“Nota-se que não pensamos em quem está nesta situação. Não há consideração pelas dificuldades que os idosos e outras pessoas com pouca mobilidade possam ter, que não há cuidado na forma como as coisas são feitas para facilitar a vida”, constata.

Com um elástico a apertar-lhe as pernas, para lhe reduzir a mobilidade, e uma muleta a servir de apoio e a tropeçar com frequência nos paralelos fora do sítio, Aurora Mesquita, de 18 anos, já começou a sentir o cansaço adicional, mais difícil de suportar por não ter onde se abrigar do sol nas paragens a que é forçada.

“A cidade não está preparada. É muito fácil tropeçar ou cair. Por vezes, temos de viver as situações para as sentir de forma diferente”, afirma a aluna de Valença do Minho, que tem uma avó “com várias próteses”, um avô que vive com as sequelas de um AVC e diz conseguir “perceber melhor agora a experiência diária deles”.

Chegados à Praça do Município, ouvem-se comentários de alívio proporcionados pelas caraterísticas do piso mais adequado e os declives nos passeios, embora, para entrar na Câmara Municipal da Covilhã, seja necessário vencer a escadaria.

Rosa Marina Afonso, docente, enfatiza que se pretendeu “despertar nos alunos uma consciência crítica para a importância da comunidade e do meio em proporcionar condições para que as pessoas se possam desenvolver na sua plenitude, independentemente de terem ‘handicaps’, que são mais frequentes no envelhecimento, mas podem ocorrer em outras fases”.

Este é também um exercício para mais facilmente se colocarem no lugar de quem está nessa posição, mas também para, como cidadãos, serem mais críticos e perceberem o papel da psicologia no desenho dos ambientes.

“Há falhas no espaço público, só que também há soluções, e por vezes não são assim tão complexas. Às vezes passa por um passeio ser mais largo, um sinal de trânsito não estar no meio do passeio, haver mais bancos para as pessoas poderem descansar, mais sombras, não haver degraus em locais que impeçam o acesso”, enumera, apontado a orografia como um desafio acrescido, mas alertando para a necessidade de criar condições para promover o envelhecimento ativo e permitir que as pessoas participem na comunidade e possam exercer os seus direitos sem barreiras físicas a impedi-lo.

“Ajudar é importante, mas a prioridade deve ser capacitar a pessoa, para que possa fazer as suas tarefas sozinha”, vinca Rosa Marina Afonso.

Depois de terem saído à rua, a próxima fase é promover uma reflexão sobre as limitações encontradas, apontar soluções e remeter esses contributos à Câmara Municipal e à UBI sobre como “construir espaços mais inclusivos e mais respeitadores dos direitos”.

 

 

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